Estarão as empresas a ocupar espaços que não lhes pertenciam?

Uma das ideias mais surpreendentes do nosso tempo é termos aceitado que as empresas podem salvar o mundo. Depois de uma estabilidade de cerca de 200 anos, onde a sociedade aceitou e celebrou que o papel das empresas seria trazer retorno para os acionistas, existiu nos últimos 15 anos uma ideia de que as empresas iriam contribuir para a resolução dos grandes desafios da humanidade.

A ideia por detrás desta assunção era simples: as empresas são as organizações que mais têm a perder com a instabilidade em geral e que mais recursos têm para em conjunto desenvolver soluções inovadoras para os problemas do mundo. Por isso, o mundo aceitou neste novo tempo que as empresas poderiam ganhar dinheiro e ao mesmo tempo salvar o mundo. Esta ideia, apesar de ratificada em 2019 pelos grandes empregadores mundiais através da declaração do Business Roundtable mundial foi sempre geradora de polémica.

Por um lado, as empresas que adotam estratégias classificadas como híbridas – fazer o bem e ganhar dinheiro. Por outro lado, os que adotam estratégias ambíguas ou manipuladoras – uma empresa deve concentrar-se em primeiro lugar em ganhar dinheiro não se deixando distrair com dimensões necessárias, mas ao mesmo tempo periféricas do seu negócio.

No entanto, o que temos vindo a observar é que as empresas – em vez de optarem por uma destas estratégias estão, pela primeira vez na nossa história, a ocupar espaços na sociedade que (ainda) não lhes pertenciam. Deixo três exemplos que nos podem fazer refletir nas consequências societais deste movimento.

O primeiro exemplo é naturalmente a inclusão de um empreendedor como Elon Musk na liderança de departamentos governativos. A grande magia de Musk e o seu traço mais acentuado como líder é a disrupção. Trazer esse traço, de uma forma acelerada e anárquica para o governo, faz com que as empresas e o pensamento empresarial ocupem um espaço central dentro do governo dos EUA, que nunca tinha sido antes ocupado.

O segundo exemplo é o lançamento do investimento em Inteligência Artificial (IA) da Starlink. Em vez de ser liderado por organizações universitárias ou militares como por exemplo, as fundações da internet, o maior investimento de sempre em IA é liderado por três empresas que fazem parte deste consórcio por convite de outro empresário: o Presidente Trump.

O último exemplo está relacionado com as alterações climáticas. São as empresas – quer as industriais quer as financeiras – que estão a liderar a transição energética e ambiental que temos de fazer para que as nossas sociedades sejam mais justas e mais regenerativas ambientalmente. Os ESG que têm norteado muito do investimento e posicionamento futuro de bancos e instituições financeiras são mais um exemplo da liderança das empresas nas questões societais.

Penso que é verdadeiramente paradoxal este tempo que estamos a viver, pois é em igual medida incerto, mas ao mesmo tempo cheio de certezas. A primeira certeza é que temos de exigir mais das empresas que nos estão a liderar. Como sociedade temos de as conhecer melhor, exigir mais transparência, mais comunicação e mais relação com todos os atores da sociedade. A segunda certeza é que, como consumidores, temos escolha imediata para celebrar ou penalizar uma empresa que não execute aquilo que prometeu. Por último, temos a certeza que o mundo está mesmo em mudança acelerada e que a nossa relação individual e coletiva com as empresas terá seguramente de mudar.

Escolher o que dá resposta a este mundo rápido, inesperado, paradoxal e tangível e contribuir para um desenvolvimento mais equilibrado e responsável implica que as empresas não percam o norte no que se refere à adoção de práticas sustentáveis, ao apoio às comunidades e ao impulso a uma inovação responsável, ética e íntegra. Fica o desafio!