Hoje o combate à corrupção ganhou uma dimensão retórica nos discursos das novas lideranças africanas, tornando-se uma espécie de solução político-divina rumo à terra prometida, tão almejada pelos sujeitos africanos.

Este sentido orientador da política africana parece ser (para os menos atentos) uma nova descoberta política. Ou melhor, aparentemente estaríamos perante a difusão de um novo evangelho político através de novos apóstolos. Mas, quem acompanha a política africana sabe que as próprias elites nacionalistas se debatem com a questão da corrupção desde as independências.

Ainda assim, as novas lideranças africanas, por uma questão estratégica, decidiram pregar contra os actos de corrupção, com o intuito de preservar a sua autoridade moral e política, bem como os seus poderes, sem procederem, necessariamente, a qualquer tipo de reforma. Preferem adoptar uma postura de pastores políticos cuja evangelização visa o surgimento de um bom cidadão que no devir renascerá sob a sua gestão.

Deste modo, propaga-se a simplificada ideia segundo a qual basta combater certos comportamentos dos africanos para que a corrupção seja erradicada. Como se a corrupção em África incluísse apenas os africanos e não se estabelecesse no seio de uma complexa teia de interesses a nível global, que motiva um desvio histórico dos recursos dos africanos para o exterior. Por exemplo, a morte de um líder africano tem representado a perda de riquezas, porque as instâncias internacionais, alegando questões jurídicas, não devolvem os recursos provenientes da corrupção, situados no exterior, e os bens acabam por beneficiar os ocidentais (e não só).

Para contornar este discurso moralista, temos vindo a defender que iniciar um combate à corrupção deve implicar, obrigatoriamente, a introdução de reformas políticas profundas, que possam promover uma alteração do paradigma funcional dos sistemas políticos africanos. Esta estratégia deve promover o fortalecimento das instituições, e não dos líderes, porque a corrupção nos regimes africanos tem sido alimentada pelas chefias políticas, que preferem regimes com instituições frágeis ou débeis a fortes e independentes.

Neste sentido, sugerimos que a reforma política deverá começar por efectivar o princípio da separação de poderes e checks and balances através do reforço institucional dos parlamentos africanos. Passando este a ter a possibilidade de instalar comissões de inquérito que forçariam os agentes governativos a justificar os seus actos e promoveriam uma responsabilização política (accountability).

A consolidação de um sistema de justiça independente, onde os órgãos judiciais possam fiscalizar e contrapor os actos do executivo e da administração afigura-se igualmente determinante para travar acções governativas abusivas e ilegais e promover a garantia dos direitos dos cidadãos.

Sem isto, não será possível promover um combate eficiente à corrupção cujos efeitos se façam sentir no presente e com consequências para o futuro dos Estados africanos. Isto porque este combate não deve estar associado a uma vontade política e a um discurso moralista-evangelizador como o dos actuais líderes africanos. Somos apologistas de uma tomada de consciência colectiva dos africanos sobre o impacto social e político da corrupção.

Em suma, distanciamo-nos da actual abordagem ao combate à corrupção, baseada num novo tipo de evangelho político, onde não há espaço para uma verdadeira reforma política. Neste evangelho, os novos apóstolos criam apenas uma falsa ilusão de mudança, abstendo-se de promover uma alteração paradigmática na realidade africana.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.