Até há poucos meses, um advogado que lidasse facilmente com as configurações do seu telemóvel sincronizado com a cloud do escritório, webinars, plataformas de meeting e outros palavrões até agora pouco comuns no jargão jurídico, seria chamado, entre os seus pares, de geek ou high-tech.

A pandemia de Covid-19 forçou alterações na forma como o mundo trabalha e na advocacia acelerou um salto tecnológico semelhante a dez anos de uma evolução que já vinha a acontecer de forma mais expressiva noutros setores de atividade. Na reta final do desconfinamento surge a dúvida: a transformação digital veio para ficar e 2020 ficará mesmo na história da advocacia portuguesa como um ponto de viragem?

A chegada da pandemia ao nosso país obrigou ao encerramento das instalações de muitos escritórios de advogados, tal como sucedeu noutras áreas profissionais. Alguns adaptaram-se facilmente e aderiram ao teletrabalho, enquanto uma fatia significativa foi bastante afetada pelo confinamento e abanada por um sismo com nome de vírus que alterou o seu horizonte de rotinas e procedimentos.

Quer seja pela pressão de uma pandemia ou qualquer outro fator externo a ativar o turbo tecnológico, chegou o momento de deixar os modelos estáticos e abraçar a eficiência das tecnologias remotas na atividade da advocacia.

As várias semanas de trabalho em casa não podem ser vistas como uma mera suspensão da atividade normal, mas sim como uma transição para a era da transformação digital. O grande desafio é motivar e envolver quem trabalha nas áreas jurídicas a reinventar-se no seu trabalho e as organizações têm de saber reconhecer e encorajar a agilidade mental que é necessária para as mover para a nova fase de partilha de conhecimento e colaboração.

Da crise sanitária surgiu um enorme vendaval sobre a economia: aumento do desemprego e do número de insolvências de pessoas individuais e coletivas; retração no investimento e diminuição do consumo; aumento da litigância e os clientes (sobretudo particulares e micro e pequenas empresas) com maior dificuldade em cumprir os prazos de pagamento – tudo isto faz prever alterações na faturação da advocacia, em particular nos escritórios mais pequenos.

Ora, nas próximas semanas e meses, a reabertura dos escritórios de advogados tem de se agarrar ao terreno que já foi ganho e, para além do turbo, assumir a adoção e transformação: ao acelerar a tendência que já existe noutros setores, a advocacia – não só dos escritórios grandes, mas também dos pequenos – pode emergir da crise com um local de trabalho transformado e transformar permanentemente como o trabalho jurídico é desempenhado e entregue.

Os escritórios de pequena e média dimensão até têm aqui uma vantagem significativa, devido à agilidade que advém das suas estruturas menos complexas, que lhes permitirá dar passos enérgicos mais rapidamente no sentido da transformação digital.

Existe uma diferença bastante grande entre um advogado trabalhar com VPN e videochamadas a partir de casa ou adotar ferramentas genuinamente desenhadas para a colaboração, que lhe permitam trabalhar com qualquer outra pessoa, a partir de qualquer lugar. Este é o próximo desafio: o advogado-remoto. E a digitalização de escritórios e de procedimentos, rumo a um ambiente digital, é o caminho que, inevitavelmente, a grande maioria terá de seguir para garantir eficiência, redução de custos de administração ou indiretos, maximização de tempo e garantir preços/hora competitivos aos seus clientes.

Se, por um lado, os contactos diretos com clientes quase desapareceram nos últimos meses, o advogado-remoto estará mais próximo dos seus clientes sempre que necessário, sem sentir a necessidade de voltar à “base” para concluir relatórios, consultar pastas infindáveis em papel ou entregar comprovativos de despesas.

O arquivo digital passa a ser o resultado do rigor de todos os que para ele contribuem, à mão de um clique ou aplicação móvel. Com tudo isto, a segurança sai reforçada, pois o acervo documental do escritório passa a estar alojado na nuvem, numa infraestrutura com uma segurança e resiliência superior, ficando ainda também a salvo dos azares mais sórdidos que podem afetar qualquer instalação física de um escritório.

Embora muitos escritórios ainda valorizem o contacto visual diário na sua cultura organizacional, a verdade é que, nos últimos anos e, particularmente, noutras latitudes, a facilidade de poder trabalhar fora do cenário habitual da secretária do escritório tem vindo a ser procurada pelos advogados, nomeadamente pela geração millennial, que procura maior flexibilidade e maximização do seu tempo.

No cenário de uma equipa com vários advogados-remotos, cabe à organização promover políticas de Recursos Humanos para fortalecer o espírito de equipa e garantir a gestão da mudança, pois nem todos têm o mesmo nível de familiaridade com a tecnologia.

Para a prática efetiva da advocacia, a tecnologia está aí: os canais de comunicação com clientes serão múltiplos e essencialmente digitais. As reuniões por videoconferência vieram para ficar. Acesso em tempo real aos clientes e colaboradores ao que se passa nos projetos. Aumentarão as horas passadas em frente ao ecrã, mas ganhar-se-á em agilidade e produtividade. Os documentos online e as formações à distância serão o novo normal do quotidiano nos escritórios, reduzindo tempos e despesas em deslocações.

Os resultados dependerão da capacidade da organização, pequena ou grande, se determinar em motivação, agilidade, infraestrutura, conhecimento digital e ferramentas de colaboração.