“O ‘reset’ entre o Reino Unido e a UE é uma vitória da racionalidade política sobre a demagogia. É também um aviso: os nacionalismos podem vencer eleições, mas não sustentam economias nem seguram fronteiras.”

Na política internacional, como nas relações humanas, há separações que são mais encenações do que rupturas definitivas. O Brexit, com toda a sua retórica de soberania, controlo e “take back control”, foi um desses divórcios tempestuosos em que o ressentimento político toldou a visão estratégica. Mas tal como em certas famílias, depois do choque inicial, voltam-se a cruzar olhares à mesa – menos apaixonados, talvez, mas mais lúcidos. E é isso que estamos agora a testemunhar: o Reino Unido, pela voz da sua ministra das finanças Rachel Reeves, regressa à Europa por uma porta lateral – não para refazer o casamento, mas para redefinir os termos da coabitação

O anúncio de um “reset” nas relações entre o Reino Unido e a União Europeia, com vista a um acordo mais profundo e pragmático, representa um momento crucial não apenas para Londres, mas para todo o projecto europeu. Esta reaproximação não é um capricho, nem uma cedência ideológica: é uma resposta à realidade geopolítica de 2025, marcada pelo regresso de Donald Trump à presidência dos EUA, pela continuação da guerra na Ucrânia, pelo agravamento das tensões comerciais transatlânticas e pelo reforço do pilar europeu da NATO.

Rachel Reeves, sublinhou que o Reino Unido não se pode dar ao luxo de manter-se afastado das cadeias de valor, das sinergias económicas e dos instrumentos de influência europeus. A saída da União foi um gesto político – mas o custo económico, sobretudo nas áreas da mobilidade jovem, acesso ao mercado comum e cooperação científica, tornou-se insustentável.

Com o regresso dos trabalhistas ao poder, há uma inversão de prioridades: não se trata de negar o Brexit, mas de reinterpretá-lo com pragmatismo político. “Podemos conseguir um acordo melhor”, afirmou a ministra em recente entrevista ao “The Guardian”. A União Europeia, por sua vez, parece disposta a ouvir — desde que os limites sejam claros: não haverá retorno à livre circulação ou à união aduaneira, mas pode haver avanços em áreas técnicas e comerciais e de segurança.

O novo contexto internacional exige uma Europa mais unida e um Reino Unido mais cooperante. A presidência de Donald Trump voltou a colocar em risco a estabilidade da NATO e do comércio global. O ressurgimento de tarifas alfandegárias, a hostilidade face às instituições multilaterais e a imprevisibilidade estratégica dos EUA levaram muitos líderes europeus – e agora também os britânicos – a reconhecer a necessidade de reforçar o músculo económico e diplomático europeu.

Nesse quadro, a reconexão entre Londres e Bruxelas é mais do que um gesto económico: é um acto de defesa estratégica. Se o Reino Unido continuar isolado, arrisca-se a tornar-se irrelevante face à China, à Índia e aos blocos emergentes. Se a Europa fechar a porta a Londres, perde um parceiro nuclear, diplomático, económico e cultural de peso. Numa altura em que o conflito na Ucrânia se arrasta, em que as rotas energéticas mudam e em que o Ártico se torna palco de disputa, a articulação entre os aliados europeus é vital.

Logo, esta cimeira Reino Unido-União Europeia que ontem aconteceu, pode não trazer fogos-de-artifício, mas traz realismo. O objectivo é modesto – desbloquear acordos práticos, como um pacto de mobilidade jovem, maior cooperação técnica em normas comerciais, acordos veterinários, pesquisa científica. Mas o seu significado é profundo: há uma mudança de tom, uma vontade política de afastar o ruído tóxico do referendo de 2016 e abrir caminho para uma nova geração de relação.

Rachel Reeves e Keir Starmer não querem refazer o passado, mas moldar um futuro funcional. A política externa britânica, ao alinhar-se mais com a europeia, poderá também contribuir para a tão necessária estabilidade interna no Reino Unido, ainda fracturado pela crise pós-Brexit e pela perda de confiança nas elites conservadoras.

A reaproximação britânica mostra, também, que a União Europeia continua a ser um centro gravitacional — mesmo para quem quis dela fugir. A ideia de que a UE é apenas um projecto burocrático e decadente tem sido desmentida pela realidade: em tempos de guerra, de disrupção tecnológica e de competição global, a Europa mantém-se como espaço de segurança, influência e inovação.

O ‘reset’ entre o Reino Unido e a UE é uma vitória da racionalidade política sobre a demagogia. É também um aviso: os nacionalismos podem vencer eleições, mas não sustentam economias nem seguram fronteiras. Se a Europa quiser manter a sua relevância, precisa de continuar a construir pontes, mesmo com quem um dia as quis destruir.

E como em qualquer reconciliação madura, o mais importante não é o romantismo – é o interesse mútuo. E, neste caso, ele existe, e é urgente.