Durante a representação, muito competente e profissional, dos actores, um pensamento assaltou a minha mente: como e por que motivo esses actores continuam a fazer teatro em Angola quando é uma actividade sem o devido incentivo do Estado, não gerando riqueza ou bem- -estar aos seus profissionais. A

resposta só poderia estar na paixão pelo teatro e pela arte que gera uma comunidade teatral. É um ofício de paixão e de entrega ao teatro enquanto arte, o que, seguramente, pressupõe elevados sacrifícios por parte dos membros dessa comunidade, que funciona através de uma rede de solidariedade para encontrar patrocínios. Caso contrário, seria difícil realizar um festival desta dimensão, com grupos teatrais de Portugal e do Brasil.

Os preços dos bilhetes, no valor de cinco mil Kwanzas (cerca de 5€), não permitem a sustentabilidade de um grupo de teatro em Angola. Fazer teatro em Angola é uma decisão rumo ao empobrecimento. Pensar através de um pensamento económico a cultura de um país acaba por se traduzir num empobrecimento cultural. Nem tudo deve gerar um lucro financeiro, um cidadão instruído culturalmente estará certamente mais preparado para os desafios modernos. Por isso, os países mais desenvolvidos apostam fortemente na formação cultural dos seus cidadãos. A minha primeira visita ao teatro, enquanto jovem angolano emigrado em Portugal, decorreu no âmbito de uma visita de estudo, fui assistir à peça “Felizmente, há luar” de Luís de Sttau Monteiro, no teatro A Barraca.

Seria possível, e desejável, o governo angolano financiar grupos teatrais para representarem alguns clássicos da literatura angolana, sobretudo quando no próximo ano serão comemorados os 50 anos de independência. A representação de obras clássicas poderia estar alinhada com os programas escolares para promover o teatro junto dos estudantes angolanos. O teatro enriquece culturalmente as almas e obriga a uma leitura da realidade através da arte representativa. Uma qualquer personagem descrita num livro ganha uma alma, um espírito e um corpo representativo.

Mesmo sem esse incentivo ou valorização, o ofício teatral angolano demonstra que a paixão move quaisquer obstáculos e que com união e solidariedade faz-se uma comunidade de resistência, capaz de realizar um mundo de coisas culturais relevantes que, muito poucos conseguem apreciar. Viva o teatro e viva os seus profissionais que devem e merecem ser reconhecidos nos 50 anos da independência de Angola, com um programa cultural próprio e autónomo que estes profissionais serão capazes de apresentar ao governo.