Avizinha-se nos EUA um conflito entre Congresso e Presidente sobre o limite da dívida, com um shutdown da Administração. Nada de novo, mas desta vez as consequências são imprevisíveis e seguramente mais drásticas. Nos EUA, desde 1917 que ultrapassar o teto da dívida pública está sujeito a aprovação. Foi uma medida de flexibilização, para evitar que cada emissão de dívida tivesse de ser autorizada, mantendo o controlo parlamentar sobre o endividamento do Estado.
Com o tempo transformou-se numa formalidade como qualquer outra: desde 1960 o limite foi alterado 78 vezes, 49 por republicanos e 29 por democratas. Há quem considere que além de inútil é dispensável (e inconstitucional face ao 14º Ammendment), visto já serem autorizadas as despesas que o determinam; é o Presidente negociar aquilo que o Congresso já aprovou, ou seja, não cumprir o aprovado – posição assumida pelo então vice-Presidente Biden em 2013.
Um shutdown é coisa séria: o governo é obrigado a despedir trabalhadores temporários, encerrar instalações, cortar investimentos e suspender pagamentos de pensões e de comparticipações de despesas médicas. No passado, os shutdowns da Administração não correram bem para os republicanos, em particular os dois do inverno de 1995-1996, sobretudo depois do House Speaker Newt Gingrich (republicano) ter dito aos jornalistas que se deveram em parte à sua irritação por Clinton o sentar nas traseiras do Air Force One na viagem a Israel.
Em 2018, o shutdown de três dias foi também visto como fruto da intransigência de Trump em acabar com o DACA, programa de acolhimento de jovens imigrantes, tal como o de 35 dias sobre o financiamento do muro.
Mas igualmente grave é o impacto sobre as finanças públicas, pois a ameaça de default do serviço da dívida eleva o custo do financiamento do Estado – estimado em 1,3 mil milhões de dólares em 2011, 18,9 mil milhões em dez anos, além dos danos reputacionais provocados pelo único downgrade da dívida pública americana da História, pela S&P, de AAA para AA+. E, claro, os efeitos sobre a economia são extensos. Calcula-se que desta vez as perdas na Bolsa atinjam 30% (em 2011 foram 20%) e uma queda do PIB de 0,2% por semana. A Moody’s estimou para 2021 um conflito de meses, uma perda de até cinco milhões de empregos e 4% do PIB.
O teto da dívida federal é 31,381 milhões de milhões de dólares, fixado em 2021, e foi atingido a 19 de janeiro. Foram colocadas em ação medidas, como a redução de investimentos, que permitem conter a dívida neste teto, com eficácia limitada no tempo.
Segundo Janet Yellen, o limite será ultrapassado em junho, mas a Goldman Sachs admite que dure até agosto dadas as favoráveis receitas fiscais do mês passado. Em 2011, o acordo chegou 72 horas antes de se furar o teto; hoje, as posições estão extremadas e a Strategas estima uma probabilidade de 75% de o acordo só ter lugar nas duas últimas semanas, 65% de ser última semana. É bom que Biden e McCarthy se despachem, pois se Yellen tiver razão estamos quase lá.