A pandemia que se abateu sobre o mundo e, em particular, sobre a Europa trouxe algo, há muito pouco tempo impensável: a possibilidade de os países não terem de cumprir, pela primeira vez, em quase 30 anos, o tratado de Maastricht, no que diz respeito ao limite de 3% do deficit, ou os 60% da dívida em percentagem do PIB.
As estimativas para o crescimento do PIB português, bem como para a generalidade dos indicadores macroeconómicos, aquando da entrega do Orçamento do Estado de 2020, foram irremediavelmente ultrapassadas, com os impactos negativos da crise pandémica. Recorde-se que o OE para 2020 estimava uma economia a crescer 1,9% e um excedente orçamental de 0,2% do PIB. A incerteza e os sinais negativos apoderaram-se dos destinos da nossa economia. Atente-se às informações mais recentes, veiculadas no Boletim Económico de outubro do Banco de Portugal (BdP), que dão conta de um produto a cair 8,1%, uma taxa de desemprego a subir para 7,5%, uma forte quebra do consumo privado, das exportações e do investimento.
No que às contas públicas diz respeito, a publicação do BdP projeta, para 2020, um deficit em percentagem do PIB de 7%, para o que contribuiu, de forma muito marcada, o aumento da despesa pública, nomeadamente da despesa resultante da aplicação de um regime de lay-off simplificado, e uma simultânea quebra da receita pública, na sequência da forte contração da atividade económica.
Na verdade, o impacto da Covid-19 na economia veio, simplesmente, interromper uma trajetória sustentada de redução do rácio da dívida e do deficit em relação ao PIB, fazendo ultrapassar os limites definidos nos tratados europeus. Mas, apesar do conforto de, desta vez, estar mais mitigada a pertença ao grupo de países do Sul da Europa, para quem os países do centro e norte da Europa não dissimulam um olhar desconfiado, e que tenhamos, até ao momento, taxas de juro da dívida pública confortavelmente baixas, o certo é que devemos estar atentos a um possível volte-face na política europeia. Mais tarde ou mais cedo estes, ou outros, limites regressarão, mesmo que tenhamos capacidade para os atenuar. Neste contexto, o OE de 2021 parece balancear medidas de apoio às famílias e às empresas, e algum estímulo do investimento público, com os possíveis constrangimentos que possam resultar de uma mudança da política europeia.
Mais em concreto, a proposta de OE entregue dia 12 na Assembleia da República, privilegia um crescimento económico sustentado nos estímulos à procura interna. Nesse sentido, destacam-se um conjunto de apoios sociais, nomeadamente: a criação de uma prestação social extraordinária, para fazer face à diminuição do rendimento das famílias que irá abranger trabalhadores por conta de outrem, empregadas domésticas e trabalhadores, e que se manterá enquanto durarem os efeitos da crise pandémica, o aumento do subsídio de desemprego, o aumento do salário mínimo, o aumento das pensões, alterações no IRS pela via da redução das taxas de retenção, e um crédito de IVA a favor dos consumidores, para estimular os setores mais afetados da economia, a saber, o turismo, a restauração e a cultura. Por outro lado, as empresas não terão uma tributação autónoma agravada, e o investimento público apoiará, nomeadamente, o alargamento e requalificação de equipamentos sociais de rede pública e do sector social, será reforçado no setor da saúde, com o aumento dos profissionais de saúde, e reforçado também na educação.
Embora as medidas devam ser vistas como positivas, saber se a dimensão de algumas delas é adequada é algo discutível. Também ao nível da eficácia se podem questionar, por exemplo, as medidas de alívio de tesouraria das famílias, preconizadas no ajuste dos escalões de IRS (não se paga agora, mas pagar-se-á mais tarde) ou o estímulo ao consumo, resultante de um reembolso em vale para utilizar nos mesmos serviços, como é o caso do IVA.
A incerteza é imensa, esperemos que os melhores prognósticos se concretizem no decurso de 2021.