(Como ponto prévio, deixo umas notas sobre a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Sendo aluna desta casa, lá aprendi muito, quase tudo o que hoje sei de Direito, e fiz amigos de uma e para a vida, no mesmo exacto tempo em que o meu pai ganhou um processo contra essa instituição. Curvo-me perante a sapiência da maioria dos seus docentes, principalmente ao que hoje assume as funções de Presidente da República, mas não nego que assisti a vários episódios que me fazem não estranhar o que agora vem a lume. Lá sobrevivi, mesmo quando me confundiam com o meu pai e procuravam proceder a ajustes de contas com o alvo errado mas não esqueço. E, por isso, acredito.)

Foram anunciadas com alguma pompa e circunstância as linhas orientadores do Orçamento do Estado, sendo publicitado como de contenção mas não de austeridade. Declaro-me farta de eufemismos e, mais ainda, de falsas promessas e, como tal, não cedo a um optimismo diletante que vejo contrariado nas ruas, a cada passo.

Do ponto de vista laboral, há um único estímulo a realçar, ou seja, o da proibição dos despedimentos nos casos em que os empregadores apresentem lucros. É uma medida justa mas que sabe a pouco quando se percebe que, afinal, do que se trata apenas é da manutenção do nível de emprego e, não, da preservação dos concretos postos que já existem. Associada esta medida à ineficácia de um sistema judicial para julgar tudo quanto sejam despedimentos colectivos ou extinção de postos de trabalho, facilmente se percebe que a montanha pariu um rato. Não me refiro, sequer, ao aumento do salário mínimo, à razão de cerca de 24,00 mensais, desde logo porque vai ser insuficiente para cobrir o aumento de taxas e de impostos que virão. E virão.

Todas as demais medidas, embora apresentadas como se de um incentivo ao emprego se tratassem, escapam à compreensão daqueles que andam no terreno todos os dias. Por exemplo, se de um lado nos falam na diminuição das retenções na fonte, doutro seria intelectualmente honesto que alguém dissesse de forma clara e cristalina que os impostos não vão baixar e que, no final, a factura é exactamente a mesma. Por seu turno, tal revisão nas taxas parece abranger única e exclusivamente os trabalhadores por conta de outrem, deixando portanto escapar o grosso dos vínculos precários (aliás apresentados costumeiramente como criação de emprego mas que, como os próprios têm, para seu próprio mal, percebido, os primeiros a serem largados à sua sorte ao menor abalo).

Dizem-nos que este é o orçamento que nós precisamos. Não é. Nem que vivêssemos na bolha em que, alguns de nós, vivemos enquanto estivemos confinados. A realidade tratará de demonstrar o oposto.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.