1. As maiores críticas que vejo feitas ao Orçamento (OE) são que ele se preocupa, sobretudo, com a gestão do aparelho do Estado. E são verdadeiras. O SNS, a segurança social, os funcionários públicos, as regalias generalizadas, entre outras rubricas inamovíveis, colocam as Finanças de tal forma sob pressão que, todos os anos, as alterações são mínimas. A discussão faz-se, assim, entre o IVA das touradas, tormentoso tema para marialvas de todas as idades, e alguns ajustamentos nas tabelas do IRS, com os quais se promovem mudanças irrelevantes que, obviamente, nunca mexem para baixo a rubrica final.

Esmagado entre as necessidades do Estado e as exigências da nossa participação europeia, sem controlo sobre a moeda, o Governo de turno pode, quanto muito, escolher barricar-se nos ‘cortes’, coisa da direita, ou fazer ‘cativações’, grande momento dos quatro anos da ‘geringonça’ de esquerda. Para além das subtilezas dialéticas, nada de substancialmente novo se passa. Até o BE deixou cair a famosa proposta de “orçamento de base zero” – lembram-se? – de Francisco Louçã. Toda a gente sabe que, mais fotocópias menos almoços e carros de serviço, as contas esbarram sempre nas mesmas montanhas de despesa.

A discussão torna-se tão recorrente quanto estéril porque, de facto, a feitura do OE não pode ultrapassar as escolhas das eleições. E, nessas, Portugal tem sido claro: quer regalias, segurança, mais Estado, sempre mais Estado. É a consequência do voto no PS, PCP, BE e, mesmo, no PSD e CDS. Naquilo que verdadeiramente interessa, não há diferenças importantes entre os partidos. Falta coragem e sobra o medo de enfrentar o Portugal instalado.

Repare-se como até André Ventura suspendeu o programa do Chega quando o foram avisar que aquele texto queria a extinção do SNS. Podia lá ser! Obviamente, um dia destes haverá redação mais consentânea. Estou convencido de que o comendador Ferro Rodrigues, ínclita figura do regime, se lhe derem liberdade para o dizer, achará tudo isto uma vergonha.

Acreditem: o OE não pode substituir-se ao voto. Aliás, é um poucochinho estúpido esperar que quem é eleito troque as suas ideias, que ganharam, pelas de quem perdeu – para depois certamente perder o país. É por isso que o Governo faz o mesmo de sempre e a discussão, também como sempre, cheira a mofo.

2. Uma corporação é sempre uma corporação. Desta vez, calhou a alguns jornalistas demonstrá-lo.

Perante um problema concreto, passado na RTP, uma célula da classe entendeu por bem não analisar os factos. Preferiu declarar sentimentos. Alinhavou um abaixo-assinado. Posicionou-se como guarda pretoriana de uma das partes. Não teve, sequer, o bom senso de dispensar a ação do evidente travo político e partidário.

No meio disto tudo, salvou-se a higiénica distância que os jovens jornalistas, os que escrevem notícias, mantiveram em relação àquele ajuntamento de nomes mais ou menos conhecidos. No caso concreto, quero salientar, a título individual, duas coisas evidentes: a jornalista Sandra Felgueiras e a sua equipa gostam de notícias; no final, Maria Flor Pedroso tomou a única decisão aceitável, retirando as devidas consequências dos erros cometidos. Não podia ser de outra maneira para descanso da RTP.