Já o disse e repito. O aumento da despesa pública por causa da pandemia e para sair dela é meritório. Incentivar a procura através do Ivoucher e da redução das retenções na fonte parecem ser boas ideias, mas, na prática, não há qualquer descida dos impostos sobre o rendimento.

O que me preocupa é o aumento da despesa pública corrente ou primária, não relacionada com a pandemia.

O papel aceita tudo e escrever que o défice orçamental será de 7,3% do PIB e, logo em 2021, crescerá 4,3% é irritantemente optimista ou, o que é mais grave, irrealista e irresponsável.

Nem acredito que o défice se atenha nos 7,3% do PIB este ano, com a segunda vaga de Covid a assolar os nossos parceiros europeus mais importantes, e muito menos acredito numa recuperação do PIB em 2021. Idem, dizer-se que a queda do PIB em 2020 será de apenas 8,5% e que o PIB crescerá em 2021 em 5,4%.

É por demais evidente que nenhum destes cenários se realizará e só quem está no mundo das empresas, dos negócios e da economia é que sente que se trata de irrealismo. Estou convicto que, no Governo, só o ministro da Economia é que tem esta consciência.

E, pasme-se, quando no orçamento despudoradamente se prevê uma redução da dívida pública em cerca de 4% em 2021. Mas como? Se aumenta a despesa pública e os efeitos keynesianos dos fundos europeus demoram sempre alguns anos a produzir o seu efeito multiplicador…

Desconfio ainda das soluções criativas para enganar os tolos do Bloco de Esquerda: afirmar que não há dotação orçamental para o Fundo de Resolução, mas que os bancos, com as suas contribuições e um financiamento adicional ao Fundo de Resolução para este, por seu turno,  dotar de capital contingente o Novo Banco, ao abrigo de compromissos contratuais assumidos, é atirar areia para os olhos dos portugueses. O Fundo de Resolução insere-se no perímetro da administração pública e os 450M€, resultantes da soma das receitas e do financiamento do fundo, contarão para o défice.

Tanto se critica a contabilidade criativa e a fraude contabilística das empresas e dos bancos, mas deixa-se incólume esta contabilidade de caixa ficcionada do Estado, muito mais fácil de dissimular. Vejam-se os exemplos das cativações que, por não serem pagas, não fazem desaparecer as obrigações e compromissos de pagar mais tarde…

Preocupa-me a atribuição de subsídios sociais, as progressões na carreira dos funcionários públicos e as transferências milionárias para as autarquias (o Medina agradece!). Preocupa-me a dotação adicional de 500M€ para a TAP, sob a forma de financiamento garantido pelo Estado. Tudo para se evitar falar em austeridade quando esta, em tempo de crise pandémica, se impunha. Perdemos uma oportunidade única na crise das dívidas soberanas para reestruturar o Estado e o seu peso na economia e vamos perder novamente esta oportunidade para o fazer quando a necessidade é evidente.

Talvez a receita do optimismo tenha resultado quando as tímidas medidas de austeridade de Passos Coelho já tinham posto as contas do Estado em ordem e operado a saída limpa. Tenho sérias dúvidas que esta receita resulte quando o maior sector exportador do país está em coma, o turismo, a economia transversalmente não dá sinais de vida e o consumo compreensivelmente não induz o crescimento da oferta.

Nem a vacina nos salvará!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.