A verdade é que a União Europeia não tem alternativa senão armar-se até aos dentes para ocupar o espaço deixado vago pelos Estados Unidos. A ameaça russa está à porta e não permite hesitações. Ainda assim, esta radical alteração de rumo é demasiado importante e tem efeitos tão profundos e duradouros que exige reflexão e vigilância. É uma ótima notícia que os líderes europeus tenham finalmente perdido a boleia dos Estados Unidos – devemos às várias administrações americanas um genuíno agradecimento por nos terem defendido ao longo de mais de sete décadas.

Venderam-nos armas, o que os beneficiou, e também nos arrastaram para guerras evitáveis, é verdade – mas quem vai no lugar do passageiro tem pouca margem para decidir o caminho e a troca foi-nos favorável. Mas as regras do jogo mudaram com a chegada de Trump: acabaram-se as boleias e UE tem de sujar as mãos. É aqui que convém adotar alguma prudência. Nós, europeus, temos maus fígados e, por vezes, difíceis relações de vizinhança. Somos parceiros, sócios e partilhamos princípios, problemas e uma história comum. É precisamente esta história partilhada que exige cautela e diálogo.

O desarmamento europeu não se ficou a dever a uma pulsão irreprimível dos europeus para o pacifismo – explica-se pela nossa tentação fratricida confirmada pelas duas grandes guerras. Agora que voltaremos a ter armas, é importante compreendermos os riscos desta escolha inevitável. Como a UE não tem, infelizmente, defesa própria, caberá a cada país gerir o seu arsenal. Num momento em que a extrema-direita cresce pela Europa fora, como no passado já aconteceu com a extrema-esquerda, este poder de fogo, destinado a proteger o continente, germina dentro si o maldito ovo da serpente. O risco hoje é longínquo, mas convém que não seja ignorado como foi a ameaça russa.