A ideia da destruição do Padrão das Descobertas e várias reações marcadamente indecorosas à morte de Marcelino da Mata, o militar mais condecorado no exército português, constituem apenas os dois exemplos mais recentes de que a posse da cidadania não basta para fazer parte da Nação.
Como a Ciência Política teoriza, é o Povo e não a Nação que se assume como um dos três elementos constitutivos do Estado. De facto, a Nação não é um conceito jurídico. Representa uma entidade de cariz sociológico. Pertencer a uma Nação significa rever-se nos seus valores e princípios, sentir-se membro daquilo que Malraux designou como a comunidade de afetos. Uma comunidade que carrega em si um ativo e um passivo porque a História não se recebe a benefício de inventário.
Portugal ocupa um lugar de destaque na lista das mais antigas nações europeias. Apertado por um vizinho com tendências hegemónicas mal disfarçadas, viu no mar a saída passível para suprir as carências decorrentes dos parcos recursos que a terra propiciava. Por isso se deitou ao largo. Em busca de pimenta e de cristãos, nas palavras do marinheiro da armada de Gama ao desembarcar na Índia. Provavelmente mais da primeira do que dos segundos porque, como decorre da natureza humana, as necessidades do corpo estão habituadas a impor-se.
Mais do que o projeto de um rei ou de um infante, a expansão, sobretudo no que às descobertas diz respeito, foi a estratégia de sobrevivência de uma Nação que se tornou peregrina. O Império foi apenas a estrutura política, centralizada em Lisboa, de onde emanavam as ordens. Ordens que a vida quotidiana se encarregava de nem sempre cumprir.
Uma aventura que renomados autores estrangeiros designam como a primeira globalização. Um ativo que uma franja portadora de cartão de cidadão português tem dificuldade em aceitar. A sua atenção concentra-se no passivo. Esses justiceiros da História tentam reduzir a expansão portuguesa à participação no comércio de escravos. Deleitam-se com a denúncia da exploração e desestruturação das sociedades indígenas que descrevem como paraísos que, raras vezes se alguma, existiram. Representam a franja que se concentra no passivo denunciado no livro “O Soldado Prático” de Diogo do Couto, mas que se recusa a ler o ativo cantado por Luís de Camões em “Os Lusíadas”.
Um ajuste de contas a que não escapa qualquer elemento ligado à expansão. Daí as críticas à Lusofonia. Por isso, a ira contra o padre António Vieira, visto como um símbolo da opressão da Igreja e não como o denunciador do passivo português no Brasil. A lista é longa entre monumentos, estátuas e nomes de ruas e praças.
Esta franja da população portuguesa diz-se apostada na descolonização das mentalidades. Porém, olha para os séculos passados como se da conjuntura atual se tratasse. Uma conjuntura em que, a coberto da pretensa defesa dos direitos humanos, procura impor a sua maneira de ver o mundo. A unicidade como regra. Uma estratégia que está a gerar um oceano de anticorpos. Uma onda que o populismo identitário ou cultural está a aproveitar para cavalgar. A outra face da moeda. Aquela que glorifica desmesuradamente o ativo e recusa liminarmente o passivo. O mito dos verdadeiros portugueses no horizonte. Um duplo sobressalto para a Nação.
Mais do que o Padrão trata-se de uma questão de perdão. Perdão para quem teima em reescrever a História ao arrepio do real passado de Portugal.