Getúlio Vargas disse uma vez que o Brasil nada teme no presente, orgulha-se do passado e confia serenamente no futuro. É muito duvidoso que a frase mantenha algum tipo de atualidade nos dias que correm. Nem o presente permite afastar receios (pelo contrário). Nem o passado recente é particularmente merecedor de orgulho. Nem, muito menos, o futuro que se avizinha inspira qualquer confiança ou admite algum tipo de serenidade.

O que se avizinha no Brasil não é uma equação fácil. Tratando-se (no mínimo) de um extremista, Bolsonaro não é apoiado apenas por extremistas. A classe média brasileira, composta por muita gente moderada, culta e normal, apoia – ou idolatra mesmo – um negacionista histórico que propaga uma mensagem de ódio (como Hitler), desenterra um conjunto de temas que o avançar da civilização aparentava já ter resolvido (relacionados com a raça, o género, a orientação sexual, a liberdade, a violência) e que promete praticar crimes como programa de governo.

Ao mesmo tempo que tudo isto é inaceitável para seres humanos de bom senso, Bolsonaro colhe cada vez mais apoio eleitoral. Como é possível? O que se passa com os brasileiros para escolherem alguém assim?

O populismo tira sempre partido dos problemas conjunturais das sociedades. Enquanto no Reino Unido e nos EUA alavancou no problema da imigração, no Brasil capitaliza na fortíssima descrença na política e nos políticos (a Lava Jato foi a estocada final), na desesperante sensação de insegurança e numa economia em recessão profunda.

Bolsonaro apresenta-se como vindo de fora do sistema (apesar de ser congressista), promete não ter contemplações com o crime e “matar mais bandidos” e exibe o liberalismo económico de Paulo Guedes (Universidade de Chicago), o seu homem forte para a área económica, que defende a privatização de tudo o que é empresa pública, como a cartada para recuperar a economia.

É possível (não arrisco escrever provável) que Bolsonaro acabe por não ter condições políticas para, no curto prazo, cumprir o que promete – dado que necessita do Congresso. É, por isso, também possível que esta eleição seja o prolongar de uma agonia que a sociedade brasileira já atravessa há algum tempo. É provável (não basta dizer que é possível) que com este voto de protesto contra um sistema podre, os brasileiros se conformem com o alienar de uma liberdade, de direitos humanos e de direitos cívicos que até aqui davam por adquiridos. Direitos que são (ou deviam ser) inalienáveis.

A democracia brasileira prepara-se para eleger alguém que chamou “uma porcaria” à própria democracia e que tudo fará para a eliminar e restaurar um regime ditatorial, que tem tudo para ser pior do que aquele de que o país se livrou em 1985. Percebe-se a vontade de dar um murro na mesa, mas assim, muito mais do que o país do futuro, o Brasil arrisca-se a transformar-se no país do passado.