Há poucos anos, para escândalo do país politicamente correcto, António de Oliveira Salazar foi eleito num programa televisivo de grande popularidade o maior Português de sempre. Em segundo lugar, a grande distância, mas ainda assim em segundo lugar, apareceu Álvaro Cunhal. Houve grande choque e discussão pública com a escolha de Salazar, menos com a de Cunhal.
Curiosamente, e retirando a tradicional mobilização de voto comunista, o racional de escolha terá sido muito idêntico. Os portugueses não têm particular apreço pelo Rei que fundou Portugal, pelo Rei que empreendeu os Descobrimentos, pelos maiores da sua cultura, pelos estadistas da democracia. O que fundamenta este racional é a percepção das qualidades do homem público que interiorizamos, a honestidade material, a frugalidade, a dedicação monástica, a discrição, a ortodoxia. No caso de Salazar há ainda um particular patriotismo que o distingue e distancia de Cunhal. Não sorrir é fundamental.
Se quisermos perceber melhor esta tendência, compreenderemos porque é que o país se entregou nas mãos de Eanes, mais uma vez, sério, frugal, sisudo, de poucas palavras e menos ideologia. Compreenderemos também o sucesso da carreira política de Cavaco Silva, que mais não fez do que vender ao povo uma “persona” meticulosamente erigida nestes pressupostos, não perdendo uma oportunidade de evocar a humildade das suas origens e de como detesta a política e os políticos. Até Sócrates, nos seus dias áureos, era um fazedor, um trabalhador árduo, sem ideologia, com ar de rigor e um mix irresistível entre simpatia e autoridade. A Mário Soares, Sá Carneiro ou Adelino Amaro da Costa, o povo achava graça, podia ir até ao entusiasmo mas, no fundo, não confiava, como não confia nos políticos do presente. Continuamos a levar na cara frequentemente com o “precisamos é de outro Salazar!”.
Salazar foi de facto honesto, viveu frugalmente, não usufruiu de benesses públicas, foi um patriota inquestionável do seu projecto de pátria, viveu em dedicação monástica o exercício do poder, equilibrou contabilisticamente as finanças públicas, não tolerava a corrupção e defendia a todo o transe o seu conceito de interesse nacional. Ainda por cima, era um homem de grande cultura clássica e erudição. Cunhal poderá ser descrito do mesmo modo se substituirmos o interesse nacional pelo desígnio do Kremlin – foi para o PC o que Salazar foi para o país.
Se pensarmos em Churchill, vemos um homem com vícios, temperamento imprevisível, um bon vivant, muitos erros na carreira e pouca ortodoxia partidária. Miterrand atravessou 50 anos da política europeia carregado de esqueletos no armário. Reagan teve uma história de vida interessante e variadíssima, rompendo com a cinzenta tradição Republicana. Mário Soares, sem a dimensão ou o impacto mundial de Churchill, mimetizou muito da sua maneira de estar, um verdadeiro “pequeno Lorde”. Porque preferirei eu esta gente desregrada e carregada de defeitos?
A política, a sua praxis, não é um acto meramente administrativo e não deve ser exercida por funcionários, por mais capazes que sejam. Um governo não é uma repartição pública, a presidência não é uma direcção-geral. A visão, o génio, o erro, a novidade, a coragem são os traços diferenciadores do político estadista. O respeito intrínseco pelas regras do jogo democrático e a sua interiorização sobrepõem-se sempre às conveniências da estabilidade pacata para a acção administrativa. O progresso é cultural e civilizacional, não é meramente a manutenção de um status quo de estabilidade financeira e de apatia social.
Debater todas estas perspectivas em liberdade é a única forma de reforçar a Democracia e de ir edificando alguma maturidade política. É o modo de ir reforçando, pelo envolvimento, um pensamento autónomo e um discernimento lúcido. Discutir tudo, pôr em causa tudo, e decidir com juízo crítico fundamentado – é o apelo desde a Grécia antiga.
Os meninos fascistas da Universidade Nova atestaram a sua pequenês e perfídia. A Universidade negou cobardemente a sua própria essência estimuladora de debate e pensamento. A esquerda radical e algum PS de aviário mostraram as garras e o seu ímpeto totalitarista.
A Nova Portugalidade, com quem concordo algumas vezes e discordo outras tantas, mas que respeito pela honestidade intelectual que a norteia, está no centro da política nacional. Defendo-os, como defenderei sempre quem queira debater ideias em liberdade, como tive ao longo da vida o cuidado de ter quem defendessse toda a latitude de ideias nos debates que organizei ou em que participei. Democraticamente.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.