Não gosto de votar em branco. Apesar de já o ter feito por mais do que uma vez, é algo que tento evitar, pois, na prática, não tem qualquer efeito – nem se traduz na (não) representação no Parlamento, um pouco como sugeriu Rui Rio, nem consegue ser um verdadeiro indicador do descontentamento do eleitorado, dado que, além das absurdas taxas de abstenção crónicas, há ainda muitos votos de protesto nulos.

No entanto, num país com um nível político (em termos de politics e, sobretudo, de policy) tão fraco como o nosso, o voto em branco surge-me sempre como a solução mais apelativa e razoável, e é preciso um grande esforço para contrariar tal apelo. Basta olhar para os programas dos partidos (os que apresentam programa).

Começo pelos parceiros de governação desta última legislatura. Inegavelmente, serão as forças políticas de quem, ideologicamente, me sinto mais afastado no plano económico (que, nesta eleição, se pintava como factor determinante na minha escolha); no entanto, não sendo eu radical e gostando de considerar todas as hipóteses pelos seus méritos e virtudes, não descartaria votar no BE ou CDU meramente pelo seu nome e posicionamento no hemiciclo.

Descartei votar neles, sim, pelas propostas mirabolantes com que nos presentearam: desde o programa social-democrata de nacionalizações do BE, que necessitaria de fundos infindáveis para destruir esta frágil e anémica economia, à alergia às PPP na saúde, ignorando possíveis ganhos de eficiência e estruturação de custos vantajosa para o Estado, passando pela demagogia e falta de noção do funcionamento dos mercados na questão da habitação, qualquer defensor de mercados livres que valorize o crescimento económico encontraria grandes reticências no voto num destes partidos.

E o mesmo é válido para o Livre de Joacine Katar Moreira, a quem reconheço grande coragem e mérito pela sua candidatura, mas com quem, economicamente, não posso concordar na visão que tem para o país. Já o PAN, no meio da sua indefinição esquerda-direita e abstenção de qualquer tipo de decisão económica, não beneficia nada com cabeças-de-lista que não conhecem o programa do próprio partido.

Do outro lado do hemiciclo, a direita andou feita barata tonta durante quatro anos, possivelmente atordoada pela perda de poder para a “geringonça”, que, apesar de inesperada na altura, aconteceu há tempo suficiente para que PSD e CDS se tivessem já recomposto. Pelo contrário, ambos os partidos perderam o norte e, entre quezílias internas e tomadas de posição pouco claras e pensadas (leia-se “questão dos professores”), perderam também credibilidade junto do eleitorado que normalmente os apoiaria.

Cristas, depois de ficar em segundo em Lisboa frente a uma candidata notoriamente fraca do PSD, não percebeu o seu posicionamento na corrida legislativa (lembremo-nos que se disse “candidata a primeira-ministra” na euforia pós-autárquicas) e, apesar da quase-constante e feroz oposição a Costa, tinha a sua imagem desgastada pelos anos da governação PàF.

Rio, que fez uma óptima campanha e provou que os relatos da morte do PSD eram manifestamente exagerados, foi completamente minado por dentro do seu próprio partido, com distritais a recusarem apoiá-lo, polémicas na constituição de listas e várias figuras prominentes a atacarem o líder publicamente – algo que, dadas as circunstâncias, me parece de uma falta de lealdade assinalável.

Não sendo esta uma eleição para a figura de PM, mas sim para todo um Parlamento, é-me difícil votar num grupo claramente desunido e, muitas vezes, que demonstra uma falta de rumo e de solidez de ideias gritante, seja pela colagem à esquerda na reposição dos cortes dos professores, seja por propostas estapafúrdias como a discriminação positiva de alunos com mais capacidade económica no acesso à faculdade. E, se no caso de Rio, a subida de quase dez pontos percentuais em pouco mais de um mês parece ter dado um balão de oxigénio para se manter à frente do PSD, no CDS há já uma ala radical, extremista e ultra-conservadora pronta a tomar o partido.

No “sangue novo” que surgirá na direita parlamentar, se o Chega não merece sequer comentários pela sua ausência de respeito democrático, posições xenófobas e abertamente racistas e populismo/demagogia barata, o Iniciativa Liberal poderia ocupar um espaço relevante, verdadeiramente liberal nos vários sentidos da palavra; em vez disso, parece-me uma plataforma de radicais anti-impostos e anti-Estado, com tendências claramente misóginas, que pretendem transformar Portugal na América de Trump. Não, obrigado.

Para finalizar, o PS, que vence sem a maioria que tanto quis sem nunca a pedir, noutras circunstâncias seria facilmente desmontado e retirado do poder: qualquer oposição forte e credível teria capitalizado o estado deplorável dos serviços públicos, os escândalos de relações familiares dentro do Governo e do Estado com empresas, ou teria encostado o PS à parede na questão dos professores, obrigando-o a escolher entre as contas certas de Mário Centeno e as reivindicações dos amigos no Parlamento.

Não poderia, de consciência tranquila, votar num partido que desaproveitou uma conjuntura favorável como a que vivemos, de juros baixíssimos e recuperação económica, para se vangloriar com crescimentos pouco acima de uma média europeia anémica, em que as maiores potências estão em crise económica e/ou política, ou escolher para primeiro-ministro um indivíduo que, sendo político profissional e nunca tendo feito mais nada na vida senão política, consegue a proeza de, no último dia de campanha, se exaltar com um cidadão sénior numa acção de rua.

No fundo, a campanha e as eleições em si mostram muito do que é Portugal: morno, estagnado, desinteressado e desinteressante, mas, sobretudo, um poço de incompetência. E, a avaliar pelos resultados, assim permanecerá mais quatro anos. Valha-nos o bom tempo e o bacalhau.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.