1. A nomeação de José Tavares para o lugar de Vítor Caldeira no Tribunal de Contas (TdC) merece a mesma reflexão que, antes, a troca de Joana Marques Vidal por Lucília Gago na Procuradoria Geral da República (PGR): os titulares anteriores estavam a incomodar o poder vigente. E este, chegado o calendário ao momento de alívio, dispensou-os ao abrigo de uma obrigação que não existe nem sequer da leitura literal do princípio da limitação dos mandatos ou da revisão constitucional de 1997 que o Presidente da República resolveu citar para justificar o seguimento dado à proposta do primeiro-ministro.

Aliás, para que fique claro e se perceba a inacreditável explicação de Marcelo Rebelo de Sousa: todos os presidentes do TdC nomeados depois do 25 de Abril foram reconduzidos. Mesmo Jorge Sampaio e Cavaco e Silva, a solicitação de outros chefes de governo, o fizeram depois da tal revisão constitucional invocada agora como dogma na questão do mandato único. A exceção é o juiz conselheiro Vítor Caldeira. Alguma coisa terá feito para merecer esta atenção.

2. Todos sabemos que bastantes apreciações técnicas do TdC foram classificadas, nos últimos quatro anos, como pseudo apreciações políticas por alguns importantes decisores colocados em causa, tanto em postos nacionais, como regionais e empresariais na órbita do Estado.

Por muito que algumas almas assim o pretendessem, não é possível olhar para mais este caso, paradigmático do funcionamento do regime, sem recordar que Portugal vai aceder brevemente a fundos europeus de dimensão  brutal (26,3 mil milhões de euros, 15,5 mil milhões dos quais a fundo perdido) – e que o TdC, órgão de soberania, tem precisamente como objeto de trabalho a fiscalização e controlo da utilização do dinheiro e valores públicos, fazendo ainda parte da rede europeia de instituições superiores de controlo financeiro.

Também é estranho que o Presidente da República, homem sempre bem informado, tenha feito ressaltar o passado no TdC do novo presidente, juiz conselheiro José Tavares, precisamente agora que se soube ter sido afastado, pelo seu antecessor, do cargo de diretor-geral, o qual exerceu durante 25 anos.

3. A mudança na presidência do TdC – como na PGR ou no Banco de Portugal – ilustra bem o ambiente político português.

António Costa decide. Tanto governa com a esquerda como nomeia com a direita. Descobriu uma via política original para impor sempre a sua vontade. É como se o PS tivesse a maioria absoluta.

O Parlamento apenas se sobressalta minimamente aquando da discussão do Orçamento, que agora decorre.

Marcelo Rebelo de Sousa abençoa quase todas as vontades do primeiro-ministro. Parece um tabelião do regime. Confunde solidariedade institucional com colaboracionismo puro.

E depois há Rui Rio, apanhado no meio do processo, e envolvido nele, quando deveria ter dito a Costa e Marcelo o que agora diz ao “Expresso”, para justificar-se: que por ele – que deu o sim a esta troca! –, não se teria mudado o presidente do TdC porque faz “uma avaliação positiva do mandato e da personalidade de Vítor Caldeira”. Se pensa assim, deveria ter agido assim. O ‘sentido de Estado’ não justifica tudo. Foi fraco, de novo. Com um poucochinho de sorte, ou de azar, depende do prisma, ainda o vamos a ver apoiar a reposição de todas as freguesias que o governo de Passos Coelho cortou e que o PS agora deseja repor. O pântano é isto.