Quando a França e a Alemanha colocaram a gestão da crise no Conselho Europeu e no Eurogrupo, reforçaram o braço intergovernamental da União Europeia. Para a Comissão e o Parlamento, quase nada. Num teste fundamental, o pilar comunitário e a representação dos cidadãos ficaram de fora. O resultado foi o que se viu. De remendo em remendo, cada um tratou de si como pôde e a Europa adiou a saída do pântano para lá do razoável.
No concerto das nações, não há democracia. Há força, ou falta dela, e um cálculo sobre perdas e ganhos para cada Estado, marcado por ritmos eleitorais. Ainda que a solução seja globalmente má, se obedecer aos interesses imediatos dos fortes, impõe-se. Antiga referência de progresso e de solidariedade, a Europa, desacreditada pelo desemprego e a crise do euro, sofreu um golpe fatal com o espectáculo da humilhação grega. Não poderia haver maior serviço à causa do populismo.
Continuamos entre os países mais ricos do mundo, mas a assimetria social galopante e a paralisia do crescimento desmobilizam qualquer eleitorado. Convencidos da ideia de escassez em sociedades abundantes e pressionados pela competição individual permanente, a crise instalou entre os europeus um fechamento sobre si mesmos. O estrangeiro, a ameaça externa, o desejo de ordem e a corrupção dos políticos são temas fáceis em sociedades desiguais. Na Holanda, na França e noutros países, a extrema-direita não precisa de ganhar as eleições. Ela já contaminou o debate político. Os outros partidos incorporam as suas propostas e discurso e legitimam a agenda. Afinal, o que disseram Merkel e Dijsselbloem sobre os povos do sul?
Entre o Brexit, as desigualdades e o reforço da extrema-direita, o 60.º aniversário do Tratado de Roma tem um travo amargo. Emergiram, apesar da UE e por causa dela, os fenómenos que nos levaram à sua criação ou adesão. Eixo de uma nova identidade, o espaço europeu é também a saída inevitável para a globalização – mas já não desperta entusiasmo. Para funcionar, precisaria de coesão, de políticas públicas fortes e de uma profunda democratização. Por isso, a ideia dos fundadores de fragmentar o continente em várias geometrias e velocidades é o sinal da cegueira e do abandono do projecto de uma união real.
Não nos enganemos com os lamentos dos líderes europeus pelo reforço da extrema-direita. A Europa acomodou a espiral autoritária da Hungria e da Polónia. E o mesmo fará com governos populistas, desde que estes não rompam com o essencial do mercado único e das instituições. O que perturbou mesmo a UE foram as alternativas social-democratas dos governos grego e português. Se queremos saber onde está a linha de real divisão, não é preciso procurar muito.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.