Ao longo de quase século e meio de existência de terrorismo global o papel da mulher tem sido sobretudo encarado na perspetiva do agente. Uma leitura redutora. A participação feminina no terrorismo assume três dimensões bem diferenciadas.

Assim, no que diz respeito ao primeiro nível, a imagem da mulher terrorista vem desde a fase inicial, aquela que Rapoport designou como terrorismo anarquista. Basta recordar que havia mulheres no seio do grupo Narodnaya Volya que, em 1881, assassinou o czar Alexandre II.

Além disso, a presença feminina é inegável nos grupos que surgiram nas outras três fases do terrorismo global. No âmbito exclusivamente secular os exemplos são vários, designadamente as Viúvas Negras da Chechénia ou as terroristas da ETA e das Brigadas Vermelhas. Na fase em que a motivação religiosa se acrescentou a outras causas, a mulher passou a integrar grupos fundamentalistas como a Al-Qaeda, o Estado Islâmico ou o Boko Haram.

Mulheres cuja ação terrorista, durante um longo período, quase não era objeto de divulgação. O seu papel subalterno também se fazia sentir no âmbito do terrorismo. Daí que as bombistas suicidas não tivessem direito a deixar vídeos gravados e não atacassem alvos relevantes. Por isso a relutância inicial das Brigadas al-Aqsa Martyrs em admitirem a autoria do atentado perpetrado pela sua militante Wafa Idris quando se fez explodir em Jerusalém.

Uma realidade que viria a ser alterada por força do contra-terrorismo e da rede.

No primeiro caso, a vigilância oficial sobre o elemento masculino funcionou como incentivo para que os grupos terroristas passassem a apostar na participação feminina. Uma aposta incrementada quando esses grupos perceberam que um atentado suicida levado a cabo por uma mulher ou por uma criança captava o quádruplo da atenção dos meios de comunicação social.

No segundo caso, porque os grupos terroristas perceberam que a rede lhes proporcionava um mundo de oportunidades, nomeadamente no que concerne à divulgação da mensagem e ao recrutamento de militantes. Função que uma população feminina ocidental, maioritariamente recém-convertida, dispunha de preparação para desempenhar.

Relativamente ao segundo nível de análise, há que ter em conta que o elemento feminino também consta entre as principais vítimas do terrorismo e não apenas pelo elevado número de mulheres mortas na sequência dos atentados. Trata-se da mulher vítima da inculcação ideológica alicerçada em falácias alimentadas pelo pensamento único dominante. A alteração de mentalidades é um processo moroso. Uma vítima que pode vir a assumir a condição de algoz. O regresso à dimensão anterior sem disso ter consciência. O terrorismo não representa uma forma de emancipação.

Finalmente, convirá dizer que a mulher ainda pode desempenhar um terceiro papel. A ligação privilegiada aos filhos a funcionar como elemento dissuasor da radicalização e potencializador da desfundamentalização da família. Um papel que requer vontade política para mobilizar múltiplas valências.

Afinal, o controlo do terrorismo global também passa pela valorização da mulher.