Numa cerimónia de propaganda a que alguém deu o nome de “Feira do Futuro”, António Costa fez um discurso que poderia perfeitamente ter sido feito em qualquer um dos últimos 30 anos. Portugal, disse Costa, tem na “revolução industrial” da economia digital” uma “oportunidade” de entrar no “pelotão da frente da União Europeia”, precisando apenas “pedalar mais que os outros” para “crescer mais do que a média europeia, duradouramente, sustentadamente, ao longo da próxima década”.

Mais do que uma promoção da iniciativa governamental Indústria 4.0 e dos 600 milhões de euros dos Orçamentos do Estado que nela planeia gastar ao longo dos próximos dois anos, o discurso de Costa é uma versão 4.0 de um velho refrão que – desde que me lembro de mim – nenhum primeiro-ministro deste desgraçado país se escusou a cantar aos seus desafortunados habitantes.

Cavaco Silva prometeu “modernizar” Portugal para que o país pudesse ficar no (aí está ele) “pelotão da frente” da então CEE. Guterres assegurou que a “paixão pela educação”, o “investimento público muito alto” para incentivar o privado e a adesão à moeda única trariam o sucesso na conquista do “grande desígnio nacional” de “vencer no espaço de uma geração o que nos separa dos restantes países da Europa”.

Durão Barroso, antes de se esquecer de tudo o que prometera e de fugir para Bruxelas, garantiu que o “choque fiscal”, as privatizações e a liberalização trariam o “crescimento”. Quando o substituiu, Santana Lopes logo quis apagar as memórias do “apertar do cinto” barrosista, e gritava aos quatro ventos o “grande objectivo” de ser o “primeiro-ministro do crescimento económico, do crescimento sustentado e da justiça social”.

Sócrates convenceu muita gente de que bastava “acreditar”, ter “confiança” e “olhos postos no futuro” para que o “investimento público” servisse de “alavanca ao desenvolvimento” e tornar Portugal no “número 1” nisto e naquilo. E Passos Coelho, com menos entusiasmo porque as circunstâncias a isso ditavam, não deixou de anunciar que tinha posto “em marcha um processo sólido de recuperação” e uma “nova fase” de “crescimento”.

Para mal dos nossos pecados, a realidade nunca foi tão dourada como as cantigas dos governantes a descreviam, e o mesmo se passará com Costa. O país tem limitações naturais e históricas que o condicionam, falta-lhe o capital que poderia potenciar esse crescimento, e este só seria possível com uma série de reformas que nenhum governo, muito menos um Governo do PS, tem vontade de fazer, nem o eleitorado está disposto a apoiar.

E mesmo que, por obra e graça do barbudo imaginário, ambos (governo e eleitores) mudassem de opinião e abraçassem o reformismo, nada garantiria que o crescimento reclamado por Costa e desejado por qualquer pessoa se verificasse, quanto mais não seja porque a conjuntura internacional parece estar prestes a deteriorar-se, e uma economia frágil e dependente como a nossa tenderá a ser particularmente fustigada pelas agruras que se avizinham.

Tenho duas suspeitas: a primeira, de que António Costa tem plena consciência desta realidade, mas como está em campanha eleitoral, sente que tem de parecer optimista, de prometer às massas um futuro melhor, e acima de tudo, de parecer ambicioso para que o eleitorado ache que ele quer manter-se no poder para fazer alguma coisa, e não apenas ocupá-lo; a segunda, de que os eleitores também estão mais do que cientes de que aquilo que lhes é prometido ou anunciado não é realista, de que por mais iniciativas ou projectos que haja, Portugal não crescerá muito, e que por muito que cresça, continuará na “cauda da Europa” e os portugueses com níveis de vida inferiores ao dos outros países desenvolvidos e com os quais sonham.

Mais: sob pena de parecer estar num Congresso do CDS, desconfio de outras duas coisas: de que Costa sabe que os eleitores sabem que ele sabe, e de que os eleitores sabem que Costa sabe que eles sabem que ele sabe.

E acrescento outra suspeita: a de que a indiferença mútua a que a “classe política” e os “portugueses comuns” se votam – com o debate político cada vez menos dedicado aos problemas que afectam a vida diária dos eleitores, e estes a desconfiarem cada vez mais dos políticos e a diminuírem a sua participação na vida política do país – nasce desse partilhado cinismo perante a propaganda política e a realidade nacional.

Mas se assim for, restam então duas questões: o que leva Costa a fazer esse discurso que sabe ser meramente propagandístico, se sabe que os eleitores não o levam a sério? E o que leva os eleitores a aceitar que um político, seja ele Costa ou outro qualquer, insista num discurso que autor e destinatários reconhecem não ter qualquer semelhança com a realidade? Mais uma vez, tenho apenas suspeitas, mas temo não estar muito longe da verdade: em ambos os casos, não lhes resta mais nada.

O primeiro-ministro sabe que, quando deixar o cargo, deixará o país mais ou menos como o encontrou (tal como aconteceu com os seus antecessores) mas que de um político na sua posição se espera “optimismo”, “ambição” e “visão”, mesmo que encenado e falso.

E os eleitores não esperam dos políticos mais do que mentiras e ilusões, que os seduzam com esses falsos “optimismo”, “ambição” e “visão”, e parecem avaliá-los apenas pela sua capacidade de lhes mentir quando tanto uns como os outros sabem que tudo não passa de uma mentira, como um actor é avaliado pelos espectadores pela sua capacidade de fingir que é alguém que artista e audiência sabem que ele não é. Pode até ser o suficiente para Costa se manter no poder, mas não lhe servirá de muito a ele, e de certeza que não servirá de nada para todos nós.

Num país mais ou menos condenado a ser mais ou menos o que sempre foi, governantes e governados parecem resignados a desempenharem os seus respectivos papéis, com a plena consciência de que não passam disso, e com a distância e indiferença que seria de esperar em quem está sujeito a tal condição. O que, sendo inegavelmente deprimente, é bem capaz de ser a opção mais sensata.

Esperar ou sequer desejar que seja de outra forma, como nos meus momentos mais delirantes por vezes espero e desejo, só produz raivas e frustrações. O tempo tratará de afastar cada um de nós destas atribulações, e como dizia o outro senhor, nessa altura seremos todos iguais.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.