1. André Ventura tem um mérito: ocupou o centro da arena política. Hoje, em Portugal, discute-se o Chega. O que propõe. O que faz. O que o seu líder, e único rosto do partido, diz. Não há dia nenhum em que Ventura não esteja em destaque, seja por mérito próprio ou por demérito da concorrência, sobretudo da extrema-esquerda, cujo populismo se sente ameaçado.

2. Na pré-campanha para a Presidência da Republica, a novel ‘social-democrata’ Marisa Matias fez questão de se exceder no requinte: se fosse eleita, disse ela, não daria posse a um governo que contasse com o apoio do Chega. É uma barbaridade patética, sem qualquer resguardo constitucional. Repare-se como Ana Gomes, a candidata que pastoreia o voto socialista de esquerda, não fosse ele transbordar para o Bloco e o PCP, não conseguindo evitar a temática, discute ‘apenas’ se o Chega deveria ter sido legalizado. Não é que não seja uma discussão também artificial. Obviamente é. Mesmo o ‘Ergue-te’, ex-PNR, passou o crivo do Tribunal Constitucional. Não existe nenhuma razão que pudesse obstar à legalização do partido.

3. O argumento de Ana Gomes tem a ver com o ‘perigo’ de destruição da Constituição. Argumento também insustentável. Qualquer partido tem o direito de defender alterações constitucionais, tanto à direita como à esquerda. Era o que faltava que o texto de 1976 fosse para depositar em museus até ao final dos tempos.

Aliás, já houve sete revisões constitucionais, todas articuladas entre PS e PSD. E seguramente que haverá mais. A necessidade de um entendimento de dois terços dos votos no Parlamento impede qualquer perigo de alguma mudança que seja contra a opinião da maioria dos cidadãos. Logo o tão agitado perigo das pretensões do Chega, que são legítimas, não existe.

4. Aquilo que inquieta a esquerda e a extrema-esquerda portuguesa é fácil de entender: o Chega está a crescer e André Ventura, como mostram as sondagens, aparece com números muito interessantes nesta corrida a Belém. Se se confirmar os 8/10% dos votos, e muito embora a extrapolação das presidenciais para qualquer outra eleição não possa ser feita de forma científica ou sequer séria, o facto político ficará registado. A possibilidade de o Chega poder conseguir um grupo parlamentar bastante alargado em próximas eleições legislativas será mais forte. A partir dessa outra realidade, pode antever-se o cenário de novos e diferentes entendimentos à direita.

5. A pressão que se faz sobre o PSD e Rui Rio, até com a colaboração de alguns políticos úteis do próprio partido, só tem a ver com isso.

Como ficou provado nos Açores, com a subida do Chega será possível discutir a alternância de poder entre direita e esquerda e evitar a mexicanização da política em Portugal – sobretudo se o PSD resistir à erosão e o CDS à irrelevância que a atual estratégia de Francisco Rodrigues dos Santos não parece conseguir evitar.

O PS ficará tutor dos entendimentos com PCP/Os Verdes e Bloco; o PSD terá a possibilidade de se entender com Chega, CDS e Iniciativa Liberal; o PAN decidirá a que lado se encostar. A política portuguesa só tem a ganhar com isso.

Nota: O candidato Marcelo Rebelo de Sousa vai debater com todos os seus parceiros da corrida presidencial – é pedagogia pura de que o país, pelo que se está a ver, ainda precisa.