Com o regresso de férias vamos assistir à retoma da normalidade das actividades políticas, que nas próximas semanas se centrarão na preparação e discussão da proposta de Orçamento do Estado (OE).
O OE é um instrumento fundamental de orientação da actividade do Governo e da Administração Pública. É no Orçamento que se consagram (e que se podem ler) as opções políticas e financeiras do Governo para o curto, médio e longo prazos.
Ou seja, o Orçamento do Estado é um documento que permite avaliar se o Governo, a quem compete a iniciativa de elaborar a proposta que submeterá à Assembleia da República, para aí ser discutida e votada, pretende introduzir e levar a cabo as reformas em múltiplos sectores que são anunciadas como necessárias ou mesmo imprescindíveis e, se a tiver, em que medida é que pretende concretizar essa intenção.
Parece-me dispensável enumerar os múltiplos sectores da actividade da Administração e das instituições públicas que carecem de reformas, com vista à sua operacionalização, à correcção de defeitos, ou a simples actualização. O que já me parece mais complicado é pretender apresentar propostas de reformas pontuais, isoladas, visando sectores específicos, sem a preocupação de discutir e consensualizar previamente uma estratégia global para o País.
É que essa discussão implica que se reflicta seriamente sobre o Estado, o seu papel e as funções na sociedade. Para mim, o Estado existe para assegurar que a vida em sociedade decorre em liberdade, assegurando a Justiça.
Na linha de Thomas Jefferson, que, na Declaração da Independência dos Estados Unidos, proclamou que os governos são instituídos nas nações para assegurar certos direitos que não carecem de justificação para serem reconhecidos universalmente como inalienáveis, como sejam a liberdade, a igualdade e o direito à busca da felicidade, penso que a vocação original do Estado, verdadeira razão de ser da sua existência, é a garantia de aplicação da Justiça, para dirimir conflitos, que leva à criação de regras de conduta e de órgãos especializados na sua administração e execução.
Daí decorrem todas as funções que hoje em dia aceitamos pacificamente devam – ou possam – ser desempenhadas pelo Estado – a educação, a saúde, a segurança (que no domínio externo se desdobra na representação internacional e na defesa), a promoção do desenvolvimento económico e social, a redução de desigualdades, a protecção do ambiente, entre outras, todas elas são decorrentes da promoção, garantia e aplicação da Justiça.
Esta discussão implica também necessariamente discutir a articulação entre os diversos poderes (legislativo, executivo, judicial), entre os distintos tipos de órgãos (centrais, regionais, autárquicos, regulamentares), sobre o relacionamento entre o público e o privado.
Não quero com isto dizer que se deve procurar o acordo unânime sobre essa estratégia, o que seria de todo impossível. Mas pelos menos as principais forças políticas representadas na Assembleia da República deveriam procurar, construir um cenário-base que reflectisse o acordo possível tendo em vista a normal, e desejável em termos democráticos, alternância.
Se esse consenso maioritário foi possível nas várias revisões constitucionais aprovadas desde 1982, não vejo razão para que não seja possível consegui-lo em sede de uma discussão nacional sobre o que pretendemos que Portugal seja no futuro. O problema é que continuamos sem ver sinais dessa discussão.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.