Uma amiga disse-me recentemente que está mais exausta, agora que trabalha a partir de casa, do que quando fazia diariamente duas horas de deslocações para o escritório. Isto, apesar de, agora, definir o seu próprio horário e ter eliminado as deslocações que a massacravam. O esperado equilíbrio entre a sua vida de trabalho e a vida pessoal não aconteceu.

O tempo de trabalho invadiu a vida familiar de uma forma ainda mais acentuada, o que agravou, afinal, o conflito. O relato da minha amiga não é único. Em todo o mundo, as organizações adotam regimes de trabalho flexíveis como solução para o conflito entre a vida de trabalho e a vida pessoal. Todavia, a experiência dos trabalhadores reflete um paradoxo: o que se ganha em flexibilidade perde-se na capacidade para tomar decisões claras sobre o trabalho e a vida pessoal.

O problema não será a flexibilidade em si, mas a remoção das estruturas organizacionais que impunham essas decisões. Aparentemente, não teremos desenvolvido a capacidade para as tomar individualmente. Quando a vida de trabalho acontece “no trabalho” e a vida pessoal acontece “em casa”, as fronteiras são claras. Em contexto de trabalho remoto, cada ação requer uma decisão: devo verificar o e-mail? Atender a chamada? As decisões são simples, mas repetem-se ao longo do dia, desencadeando a “fadiga de decisão” ou “exaustão do eu”. A flexibilidade que nos deveria beneficiar origina afinal uma negociação infindável para delimitar a vida de trabalho e a vida pessoal. Sem fronteiras claras, a flexibilidade torna-se uma sobrecarga.

Um estudo recente envolvendo docentes universitários, durante o período de confinamento da Covid-19, revelou que quando a vida pessoal interfere com o trabalho, o desempenho percebido é significativamente reduzido. Porém, quando o trabalho interfere com a vida pessoal, o mesmo não acontece. Compreende-se assim que esta situação origine problemas de saúde mental, como, por exemplo, o burnout. De facto, o nível de burnout persistente é um problema que preocupa as organizações, até porque se reflete na diminuição do envolvimento dos trabalhadores e num estado crónico de frustração.

A solução para este problema poderá passar, não tanto pela flexibilidade, mas, pela melhoria das estruturas de tomada de decisão. Por exemplo, as organizações podem e devem definir a flexibilidade estabelecendo “pontos de ancoragem” claros. Isto é, períodos definidos em que se espera que as pessoas estejam disponíveis e presentes, criando uma estrutura previsível nos regimes flexíveis.

As hierarquias devem dar o exemplo mostrando que cumprir rigorosamente o horário de trabalho estabelecido é a norma. Devem igualmente apoiar os trabalhadores na organização do seu tempo sempre que solicitado desenvolvendo protocolos pessoais para decisões relacionadas com a conciliação. Assim, apoiar os trabalhadores passa por oferecer estruturas e normas que operacionalizam essa flexibilidade. A questão agora é saber se as organizações estarão disponíveis para o fazer.