O país entrou em bancarrota no início da década passada e tem vivido os últimos anos a lamber as feridas desse período catastrófico. Na verdade, a expressão mais certeira talvez não seja lamber as feridas. O que fizemos foi apenas o inevitável: observar todos os dias a destruição económica, estrutural e social desse período traumático da nossa vida coletiva. É verdade que em apenas quatro anos conseguimos o quase milagre de sair da alçada da troika, o que não era de todo certo tendo em conta a montanha de dívida pública e privada que tínhamos acumulado.
No entanto, ficou por fazer o resto. Depois do brutal aumento dos impostos, depois da restruturação a martelo do setor público — quem disser que faria melhor do que Passos Coelho não tem noção do grau de dificuldade da tarefa —, competia-nos mudar a sério. Não foi o que aconteceu. O crescimento do turismo caiu-nos no colo e trouxe pessoas, dinheiro e oportunidades novas, uma magnífica dádiva dos céus. No entanto, este filão permitiu-nos também fintar a urgente obrigação de mudarmos de vida.
A fuga de Vale de Judeus, dias depois do miserável assalto ao MAI, pôs outra vez à vista a nossa extrema fragilidade. As áreas de soberania estão um caco, o que muito satisfaz a trupe oportunista do Chega; a justiça vacila de caso para caso, ao sabor dos populistas e oportunistas; e os mais diversos serviços públicos, com honrosas excepções, fazem das tripas coração para dar alguma resposta.
A verdade é que os anos de António Costa deixaram no ar o cheiro acre da desilusão. Foi tudo muito poucochinho. Houve muita política-partidária e poucas políticas públicas transformadoras. Terá Montenegro capacidade e força para evitar os erros do passado recente e mais longínquo?