1. Na sequência do processo que levou Mário Centeno para governador do Banco de Portugal, diretamente a partir da cadeira de ministro das Finanças (como já no passado acontecera com Miguel Beleza e Tavares Moreira), há uma notícia boa, uma má e outra péssima.

A boa é o Parlamento ter aprovado, finalmente e na sequência de uma iniciativa do PAN, um período de nojo de três anos nas nomeações para o Banco de Portugal (BdP) para quem tenha desempenhado funções no sistema financeiro e em empresas de auditoria.

A má é que a lei não se aplica a titulares de cargos políticos. Esses podem continuar a circular livremente.

A péssima tem a ver com as alterações só entrarem em vigor em janeiro de 2021. Ou seja, daqui até ao princípio do próximo ano, o governo e Mário Centeno estarão à vontade para ‘retocarem’ os órgãos do BdP com toda a gente que entendam, independentemente desta lei. Como ainda há vagas (por exemplo, a decorrente da saída de Elisa Ferreira), não vai ser preciso desesperar muito pelos nomes dos felizes contemplados e perceber o porquê deste compasso de espera.

2. Dirão os otimistas que a lei é aceitável; que é justo distinguir entre servidores da causa pública e o pessoal dos interesses privados.

Num mundo perfeito, num país diferente do nosso, tenderia a concordar.

O problema é estarmos precisamente em Portugal, mesmo que em 2020, num espaço no qual os interesses, ligados por irmandades várias, tendem a ser pouco ou nada delimitados entre empresas, partidos, legisladores e, naturalmente, membros dos governos. Entre nós, tudo se confunde e aceita.

Os casos são tantos, e tão sequenciais nos últimos anos, que dispensam um simples exemplo. Estão à vista da sociedade portuguesa. Por isso, teria sido prova de bom senso que os detentores de cargos políticos se tivessem também submetido a tempo de espera para entrarem no BdP. Não o fizeram. Mais uma vez, manifestaram o desprezo que sentem pelo rigor que seria devido a uma democracia mais consolidada.

3. Os mecanismos de escolha para o BdP precisariam de outras válvulas de segurança e esta lei dispensou uma outra, importante: a votação sujeita a dois terços na Assembleia da República.

Nada que surpreenda.

A nossa cultura política não gosta de constrangimentos. Se na administração pública burocratizamos, na escolha política somos liberais fanáticos.

Seria impossível, por cá, admitir um concurso público internacional para a função de Governador do BdP que tivesse um resultado como no Reino Unido: um canadiano escolhido para dirigir o banco central!

Temos esta opção telúrica em todas as vertentes da vida nacional: se o partido ganha, o partido escolhe. Estar no poder não é procurar os melhores, é nomear “os nossos”. Nem o partido, seja ele qual fosse, aceitaria desvios à tradição. Sermos poucos, e um país pequeno, convoca toda a pequenez.