A crise pandémica, a disrupção nas cadeias de abastecimento, o retrocesso na globalização e o amplo apoio monetário pelos bancos centrais, traduzido na impressão de triliões de dólares, tiveram como consequência o aumento da desigualdade entre classes sociais, países e blocos económicos.

Um fenómeno que será agravado pela transição tecnológica e ambiental que iremos enfrentar nos próximos anos.

Esta desigualdade é reflexo do aumento do custo de vida, medida através da inflação que acaba por afectar as classes mais baixas sem capacidade de obter receita através de outras fontes de rendimento.

Pressionados pelo poder político e pelo aumento da contestação social, os membros da Reserva Federal norte-americana (Fed) começam a evidenciar sinais de preocupação com a perda de poder de compra dos cidadãos americanos e com a inflação.

Este ano, a ceia do Dia de Acção de Graças ficará até 20% mais cara para os americanos. Só o preço do peru, que contribui com 72% para o cabaz deste dia, aumentou 23% num ano. Mas não é só o custo da alimentação que sobe. O preço da gasolina, dos carros usados e das rendas continua a pressionar o custo de vida, cujo aumento é transversal à economia e destrói o poder de compra das famílias.

A taxa de aprovação do presidente Biden está no seu nível mais baixo desde que foi eleito e, talvez por isso, esta semana anunciou que iria vender 50 milhões de barris de petróleo no mercado para tentar conter os preços. Cidadãos descontentes não são eleitores e Biden sabe disso, pelo que chegou a altura de mitigar a subida da inflação.

Também Janet Yellen, secretária do Tesouro americano, quando comentou a recondução de Jerome Powell para um segundo mandato à frente da Fed, referiu que espera um mandato diferente, ou seja, com taxas de juro mais altas.

Esta alteração de paradigma é essencial para que a inflação volte a estar controlada, mas principalmente para que as decisões económicas e financeiras sejam racionais.

Neste momento de taxas de juro negativas, o incentivo à entrada em bolsa de novas empresas é reduzido. A banca e o capital de risco com acesso a liquidez ilimitada e a taxas reduzidas, acabam por limitar a possibilidade de acesso dos investidores a empresas com elevada capacidade de crescimento, constituindo um limite e entrave à inovação, ao mesmo tempo que estimulam o endividamento bancário.

Nos próximos anos, teremos uma mudança de paradigma, lento, mas perigoso. A subida de taxas de juro é inevitável, até para serem evitados riscos de bolhas em mercados “tokenizados” e acabar com as decisões de investimento irracionais que terão custos, mais uma vez, para os contribuintes. E para essa mudança muito contribuiu o preço do peru!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.