Várias são as teorias da conspiração que enchem as redes sociais e as poucas conversas de café. Das notícias falsas à criatividade desenfreada, aos insultos propositados de acusações de ganhos financeiros inusitados na economia mundial, experiências científicas ou ações de Estados ou de indivíduos, até da reação do planeta a um mundo sobrelotado, tudo surge e floresce.

Enquanto a Organização Mundial de Saúde e as autoridades sanitárias nacionais se esgotam no acompanhamento e tomada de decisões para conter a propagação do coronavírus, a natureza começou a fazer o seu trabalho de regeneração do planeta.

Uma das primeiras consequências do encerramento de fábricas e a diminuição abrupta de tráfego de viaturas e aviões pelo mundo forafoi a redução dos índices de poluição atmosférica e melhoria do ambiente, num mecanismo de compensação natural pela travagem repentina da atividade industrial e económica.

O novo coronavírus, também designado por Covid-19, tem provocado um verdadeiro tsunami nos hábitos sociais, na organização do trabalho, com evidentes repercussões na economia mundial. Ainda sem sabermos quando será controlado e sem podermos medir todas as suas consequências, a questão que se coloca é saber em que medida provocará mudanças permanentes na nossa vida.

O cenário atual surgia até agora descrito em livros de ficção científica, plasmado em filmes apocalípticos ou admitido em relatórios futuristas, mais ou menos reservados. A pandemia demonstra que nunca estamos devidamente preparados, quer pela ação dos poderes públicos nos quais confiamos, quer em termos pessoais, para um ataque desta natureza à nossa organização social.

Ironicamente, e por ação involuntária do vírus que fez adoecer milhares de pessoas, proporciona-se uma oportunidade de regeneração do ambiente. Mais rápida que qualquer manifestação, mais eficaz que qualquer Greta, mais determinada que qualquer governo, a natureza encontrou uma forma simples de se curar.

Ambiente e vírus não são partes da mesma equação, pelo contrário, repelem-se, embora neste caso em particular, numa manifestação anti-natura, o surgimento de uma provoque a melhoria da condição da outra.

O ambiente psicológico derivado da progressão do vírus, o número de pessoas infectadas, o crescente número de mortos, também criou um clima que tolera a restrição de direitos em nome da contenção da doença – emnome da esperança de rápida reposição das liberdades e dos níveis de saúde pessoal a nível mundial.

Curiosamente, o momento atual conduz-nos ao surgimento de uma situação teórica sempre estudada mas nunca expectável de estado de alerta ou de emergência. Fica assim claro como um microscópico vírus pode pôr a democracia em plano secundário, mais depressa que qualquer ação política ou militar.

Dentro de três meses, controlada a pandemia e regressados ao enquadramento constitucional normal, veremos se algo mudou efetivamente no plano social, económico e político.

Provavelmente muito pouco, na recuperação imediata do tempo perdido e na memória das pessoas afetadas. Mas esse será o tempo da reflexão sobre a precariedade da economia, a capacidade da adaptação das pessoas e a interiorização de que os cenários mais extravagantes podem ser realidade. Numa história em que o protagonista será a humanidade a resgatar-se de si mesma, perante um planeta que assiste impávido e sereno à sua mutilação.