As medidas de controlo sanitário que o Governo português tomou para controlar os efeitos, na saúde dos portugueses, da expansão da pandemia Covid-19, saldaram-se num impacto negativo sobre a economia portuguesa, registando-se uma quebra acentuada no crescimento, no emprego e um agravamento das contas públicas.

Para mitigar estes impactos económicos, foi tomado um conjunto de medidas, nomeadamente, o apoio à liquidez das empresas, o regime de lay-off simplificado, o regime de moratórias de crédito, o apoio aos arrendamentos e outros apoios financeiros às famílias e às empresas, os quais foram evoluindo e sendo refinados ao longo do último ano, em função das dificuldades sociais e económicas sentidas pelos portugueses no decurso da evolução da pandemia.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) surge neste contexto e com o objetivo primeiro de relançar a economia e permitir a melhoria das condições de vida dos portugueses, no período pós-Covid, procurando resolver os problemas de curto prazo, mais prementes, mas, essencialmente, planear o futuro do país a médio e longo prazos.

O PRR encontra-se alinhado com os objetivos europeus e isso está bem patente nas três dimensões principais que o mesmo contempla – resiliência, transição climática e transição digital. Mas, se estes três vetores se encontram em consonância com a evolução das sociedades atuais, outros problemas estruturais, como as desigualdades, os fracos rendimentos, o desequilíbrio no desenvolvimento do território e a descapitalização das empresas, terão de ser igualmente atendidos.

O plano apresenta um vasto conjunto de reformas estruturais, que se distribuem pelas várias dimensões e sobre as quais são vertidas quantidades de dinheiro muito relevantes. No entanto, apesar da definição das reformas, entendidas pelo Governo como necessárias para atingir os objetivos definidos no plano, este não elenca os planos de ação que definem e mensuram os objetivos operacionais, fundamentais para concretizar os objetivos de natureza estratégica.

Vários exemplos podem ser referidos a este propósito: o que se entende, em relação ao Serviço Nacional de Saúde, quando se refere como objetivo um investimento em “Cuidados de saúde primários com mais respostas”, ou na componente capitalização e inovação empresarial investir numa “Agenda mobilizadora de reindustrialização”, ou nas qualificações e competências, investir no “Compromisso de emprego sustentável”, ou ainda na componente do mar, investir no “Hub azul, rede de infraestruturas para a Economia Azul”? Como é tudo isto operacionalizado? O plano não responde, é vago, define quase só os montantes de investimento.

Acresce que se trata de um plano essencialmente do lado da oferta, contemplando pouco ou nada o lado da procura, em particular de estímulo à procura interna e o incremento do rendimento das famílias por via, por exemplo, da fiscalidade.

Importa ainda salientar a quantidade muito significativa de recursos que Portugal dispõe para financiar o PRR, uns, a fundo perdido, sob a forma de subvenções, e outros, sob a forma de empréstimos. A preferência do Governo é manifesta, privilegiando a maximização da utilização de recursos a fundo perdido e a minimização da utilização de empréstimos, que, a serem contraídos, se traduzirão em maior dívida pública. No caso dos empréstimos, equaciona-se a possibilidade da sua utilização em investimentos no parque público de habitação acessível, na capitalização das empresas e no investimento em material circulante ferroviário. Em todo o caso, o Governo, ao manifestar a intenção em reduzir este modo de financiamento ao mínimo, permite já antever dificuldades na concretização destes projetos.

Um outro aspeto importante é o modelo de governação. Se, de um ponto de vista meramente teórico, o modelo de governação parece aceitável, porque terá uma coordenação política que envolverá vários ministérios, uma coordenação técnica e de monitorização que envolverá uma estrutura de missão que articula vários organismos públicos, uma área de auditoria e controlo e uma comissão de acompanhamento presidida por uma personalidade independente, a verdade é que a execução do PRR irá exigir um enorme esforço de coordenação entre todas as partes envolvidas.

E esta capacidade é uma dúvida que surge no horizonte, tanto mais que os quadros plurianuais anteriores não têm sido executados na totalidade, seja por incapacidade das empresas em propor investimentos reprodutivos, seja pela existência de uma excessiva burocracia nas instituições portuguesas e comunitárias, no que diz respeito ao tratamento dos processos. E, agora, ainda há mais dinheiro disponível. Conseguiremos nós assegurar o aproveitamento cabal dos recursos de que dispomos?

Certamente que o PRR terá efeitos positivos na economia, será inevitável com a tamanha dimensão do seu financiamento. Dúvida existe se a utilização destes recursos potenciará níveis de eficiência máximos. É importante que os recursos sejam distribuídos pelas empresas de forma produtiva, que garantam a sua sustentabilidade futura e não se resumam a ser um mero balão de soro, que sirva apenas para adiar a periclitante existência de algumas delas.

As previsões que constam do plano em relação ao crescimento económico, para o quadriénio 2023 a 2026, são de uma taxa de crescimento média anual do PIB de 3%. Quanto à taxa de desemprego, estima-se que se posicione perto dos 7%, ainda acima dos 6,5% alcançados em 2019. Finalmente, o saldo orçamental será abaixo dos 3% a partir de 2022, situação que, nas previsões do Governo, já seria alcançada sem a existência do PRR.

Parece ser modesto o impacto do plano, a aferir pela contabilidade do próprio Governo, pelo menos até 2026. Impõe-se, pois, uma mobilização coletiva para ultrapassar as melhores previsões de progresso económico constantes no PRR. Metam-se as mãos à obra.