Há sempre algo de admirável nos que traçam um caminho e dele não se afastam, aconteça o que acontecer. Em certas matérias, a intransigência é uma demonstração de caráter e de dimensão ética que é de louvar. No entanto, noutras dimensões, a intransigência não é necessariamente o melhor caminho. No campo negocial, por exemplo, antes de ser intransigente convém antecipar o que a outra parte tem a ganhar e a perder. Muitas vezes, no plano puramente racional, é possível prever a resposta e impor resultados com pouca margem de risco. Noutras, a leitura é mais difícil por envolver diversas variáveis nem todas controláveis ou antecipáveis.
A história é profícua em exemplos. Churchill, por exemplo, nunca cedeu à Alemanha nazi, quando muitos governantes britânicos pretendiam aceitar uma tentadora oferta de paz de um Hitler que parecia invencível. Multiplicavam-se variáveis complexas, mas o PM britânico soube lê-las melhor que outros e entender que o caminho era não ceder. A sua intransigência – que levou à criação de uma “geringonça” composta por Reino Unido, EUA e URSS – provou ser certeira e outra decisão teria conduzido a um desfecho diferente da Segunda Guerra Mundial. O mundo seria hoje outro lugar. Churchill será lembrado por ter visto o que os outros não viram e por ter tido a força de mobilizar os seus concidadãos a segui-lo numa ideia que, de início, parecia peregrina.
Outros casos que a história mais recente também nos fornece – como a aparente intransigência mal medida de Tsipras e Varoufakis nas negociações com a EU – acabaram como todos sabemos.
Muitas vezes, há uma ténue linha a separar a glória do desastre. Ferdinand de Lesseps, por exemplo, foi um engenheiro e diplomata francês, conhecido pela sua personalidade inflexível, a quem se deve a construção do Canal do Suez, que ligou, em pleno século XIX, o Mar Mediterrâneo e o Mar Vermelho, encurtando drasticamente distâncias de navegação entre a Europa e a Ásia. A sua determinação levou-o a não aceitar o impossível e a conseguir algo que, tecnicamente, parecia extremamente difícil de alcançar. A mesma determinação levou-o, anos mais tarde, a tentar idêntica empreitada no Canal do Panamá, ligando o oceano Atlântico ao Pacífico. Porém, desta vez, a inflexibilidade conduziu ao desastre por não reconhecer dificuldades claras que impediam o sucesso do projeto.
Durante o seu percurso, os líderes políticos intransigentes são forte e frequentemente criticados. Umas vezes por mentes menos determinadas e destemidas. Outras, por mentes mais lúcidas e realistas. Umas vezes, o tempo demonstra que eram, afinal, uns visionários. Outras, que tinham chegado ao fim da estrada, embora não o aceitassem.
Está por demonstrar qual será o caso de Passos Coelho. Não é fácil entender a sua estratégia. A nível nacional, prepara umas legislativas que teimam em não chegar, parecendo ter como único guião alertar para possíveis desgraças, para depois poder dizer “eu avisei!”. A nível autárquico, abdicou de disputar de Lisboa, correndo o risco de enfraquecer seriamente a sua liderança com uma possível humilhação eleitoral, como acontecerá se ficar atrás de Cristas, que podia ter apoiado, à falta de melhor candidato. Dentro de uns meses, tudo será mais claro. Estará Passos a ver o que os outros não veem?