Não alimento juízos definitivos de valor sobre o modo como os povos se relacionam uns com os outros, em termos de maior ou menor abertura para conviverem com as respetivas diferenças.

Não entro na polémica, que alguns procuram trazer para a praça pública, sobre se Portugal é ou não um país racista ou xenófobo. Não faço parte de quantos acham que é útil fazer uma “sindicância” sobre o nosso passado colonial, lançando um debate autoflagelatório sobre a nossa História. Já percebi que essa agenda anda por aí e, sobre ela, tenho a mesma teoria que as pessoas prudentes das aldeias têm sobre as queimadas: feitas sem ter em conta a força dos ventos podem dar origem a grandes incêndios.

Ao contrário do que acontece com muitos com o avançar da idade, sinto que tenho cada vez menos ideias gerais. Aprendi que as coisas são, em geral, muito mais complexas do que aquilo que uma abordagem impressionista parece indiciar. Talvez por isso, não alimento conversas de café sobre estados de alma nacionais. Vivi o suficiente para ter aprendido que se pode dizer uma coisa e o seu contrário e, no entanto, continuar a estar certo – porque a perspetiva é a do ponto a partir do qual se olha e não daquilo que está à vista.

Na vida que levei por algum mundo, representando Portugal, nunca ninguém me ouviu dizer que “os portugueses não são racistas” ou que a nossa colonização (e, já agora, a nossa descolonização) foi “exemplar”. Não é por Gilberto Freyre ser oriundo de uma antiga colónia que o “luso-tropicalismo” passou a ser uma categoria elogiosa, nem a nossa relação colonial ganhou uma suposta “bondade” graças a uma certa forma portuguesa de estar no mundo.

Somos hoje o que somos, como país. Mas de uma coisa tenho a certeza: seremos sempre um pouco mais se o nosso discurso assentar numa linha humanista e, em especial, numa firme vontade de fazer coincidir aquilo que fazemos com aquilo que, nesse domínio, defendemos.

Foi-me sempre agradável, como diplomata e como português, ver reconhecido nos fóruns internacionais, e no que os outros dizem sobre nós, a generosidade da nossa cultura de acolhimento dos estrangeiros que nos procuram, seja para melhorarem as suas condições económicas de vida, seja para se acolherem, para se refugiarem, quando perseguidos ou vítimas de situações de conflito.

Gosto muito de ver Portugal na vanguarda das atitudes internacionais em matéria de ações solidárias face aos migrantes e refugiados – da mesma forma que me envergonho ao ver certas forças políticas nacionais, com fortes responsabilidades democráticas, serem cúmplices pelo silêncio face aos comportamento miserável de alguns Estados europeus, só porque são dirigidos por partidos que pertencem à sua “família” política. Há famílias que não se recomendam!

Nesta crise da pandemia, senti um grande orgulho em ser português ao assistir ao gesto nobre, unilateral, do Governo do meu país de legalizar todos os indocumentados estrangeiros. É deste Portugal que eu gosto.