O resultado das presidenciais norte-americanas, com a eleição, tida como altamente improvável, do magnata americano Donald Trump, constitui mais uma demonstração do perigo que enfrentam os regimes democráticos nos países mais desenvolvidos.

Na realidade, confrontados com uma população crescentemente marginalizada pelos decisores políticos, que sofre na pele os efeitos negativos da globalização, desvalorizando frequentemente os seus aspetos positivos, muitos candidatos recorrem a campanhas onde procuram cativar os votos de uma população descontente, desvalorizada, desamparada, desempregada, desmotivada, capaz de se deixar seduzir por falsos profetas, que prometem ventos de mudança e acenam com a felicidade e a prosperidade ao virar da esquina.

Fenómeno outrora associado aos regimes latino-mericanos, o populismo foi ganhando força na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, conseguindo, agora, fazer chegar ao poder na maior potência do globo alguém que recorre a um discurso demagógico, capaz de fomentar os sentimentos mais desprezíveis, de captar votos à esquerda e à direita, junto de novos e de velhos, de homens e de mulheres, de imigrantes a quem ataca e de minorias que promete perseguir.

Trump não está só. Ele é, apenas, o expoente máximo do populismo que levou o Syriza, de Alexis Tsipras, ao poder na Grécia, a União Cívica Húngara, de Viktor Orbán, ao poder na Hungria, que fez com que partidos como o Podemos, em Espanha, e o Bloco de Esquerda, em Portugal, alcançassem votações até há pouco inimagináveis, que esteve na origem do Brexit, ao fazer com que os britânicos aderissem aos ideais de Nigel Farage, e que promete ter em Marine Le Pen uma séria candidata à presidência francesa já em 2017.

Encostados mais à esquerda ou mais à direita, estes partidos têm em comum líderes que conseguem capitalizar o descontentamento popular. Maioritariamente vazias de conteúdo, as suas promessas colhem a simpatia de pessoas que estão contra o regime instituído, cansadas de mendigar a atenção de políticos que só aparecem em tempos de eleições.

Se Hillary Clinton era uma candidata fraca – não sendo capaz de entusiasmar o eleitorado, que a considerava, quanto muito, um mal menor, nem de fazer com que muitos americanos saíssem de suas casas para votar –, o certo é que o fenómeno é muito mais abrangente, expressivo e preocupante. O Ocidente está a braços com uma verdadeira crise de identidade, com uma população envelhecida, com economias debilitadas, com sistemas sociais amplamente deficitários e com lideranças frágeis, incapazes de projetar um destino.

Se, como afirmava Churchill, “a democracia é a pior de todas as formas de governo, excetuando-se as demais”, não parece que esta chegue para, no futuro, ficarmos a salvo de regimes totalitários sufragados por uma população que se deixa atrair por discursos fantasiosos de ditadores camuflados.