O despique Gomes-Ventura pelo segundo lugar nas eleições deste domingo é importante, pois poderá dar sinais sobre o perigoso avanço da extrema-direita no país.

No entanto, sabemos há muito tempo que esta ida às urnas é principalmente uma espécie de referendo ao incumbente. Não será formulado em termos de ‘sim’ ou ‘não’, porque aí a resposta sobre a continuidade seria positiva e pouco útil, mas o resultado em termos percentuais irá oferecer uma clara avaliação ao desempenho no mandato.

Depois de dez difíceis anos de Cavaco Silva em Belém, marcados por conflitos desnecessários, longos silêncios (que até levaram à alcunha de ‘múmia’) e frieza total no contacto com os cidadãos, a chegada do sucessor representou um contraste total.

Marcelo Rebelo de Sousa trouxe à presidência as características que já conhecíamos desde a sua longa campanha televisiva para aceder ao cargo. Conhecimento alargado e profundo dos aspetos jurídicos e políticos que afetam a sociedade portuguesa, interesse e rede de contactos abrangente para compreender os desafios económicos do país e, sobretudo, capacidade e vontade de intervenção rápida e de proximidade.

Sejamos claros, essa mistura de skills permitiu superar o desempenho do antecessor, não que fosse muito difícil. Há que reconhecer que o Presidente esteve presente nos momentos mais altos do país e também nos mais baixos. Na realidade, esteve omnipresente, porque também esteve nos momentos médios.

Ninguém pode acusar Marcelo de falta de vontade ou interesse. Infelizmente, devido à combinação das suas capacidades com a necessidade de aparecer, podemos criticá-lo pelo contrário, pelo excesso de vontade.

Podemos até descontar as ‘marselfies’, o telefonema para o programa da Cristina, o televisivo mergulho, a vacinação em tronco nu, ou dezenas de outros atos para chamar a atenção, qual um tio mais velho divertido ou excêntrico. Há, contudo, um aspeto mais negativo que resulta desse excesso de vontade: a interferência.

Durante esta campanha eleitoral, Marcelo demonstrou por duas vezes que não vive bem com os limitados poderes que o nosso sistema semipresidencialista confere ao cargo que ocupa.

No debate com João Ferreira, foi visível a frustração de Marcelo pelo primeiro-ministro ter mantido a ministra da Justiça no cargo no meio da polémica sobre o currículo do procurador europeu. Disse tudo certo, que Costa tinha respondido e que o Presidente não pode exonerar ministros. A linguagem corporal, porém, mostrava o incómodo por não poder fazer nada.

Marcelo tem, claro, direito à sua opinião mas tem de ter cuidado, pois mostrar na televisão que queria que uma ministra fosse afastada é extravasar o alcance do seu poder. Fragiliza não só a ministra mas também o primeiro-ministro e ainda o funcionamento da separação de poderes.

Não foi a primeira vez, claro, só no último ano aconteceu mais duas vezes. Marcelo tentou tirar o tapete a Mário Centeno no caso da injeção no Novo Banco e só negou que assim fosse depois de António Costa ter segurado o ministro das Finanças. Com Eduardo Cabrita foi ainda mais claro. Apertou o cerco em relação ao ‘caso Ihor’ e, quando o ministro da Administração Interna não se demitiu, o Presidente lamentou, dizendo que com as mesmas críticas Constança Urbano de Sousa tinha pedido a saída.

Na verdade, no longo CV de Marcelo falta um cargo, o de primeiro-ministro. Esperemos que no segundo mandato seja mais Presidente em vez de estar constantemente a tentar compensar essa lacuna.