Quinze dias dramáticos, em que a Europa se viu confrontada com Vladimir Putin como antes o fora com Hitler. Destaque para as contradições de uma estratégia de apaziguamento (Sudetas/Áustria vs. Ossétia/Crimeia/Donbass), antes ou agora, que nunca foi capaz de parar ditadores.
Gostaria de realçar a solidariedade europeia, especialmente das sociedades civis como a portuguesa, onde toda uma nação se mobilizou para ajudar o povo e os refugiados da Ucrânia. Perdoar-me-ão, mas os bancários atuais têm estado muito ativos neste papel, como antes estiveram os bancários de há seis décadas, a acolher refugiados durante a guerra civil espanhola e a Segunda Guerra Mundial.
Embora o cenário económico esteja intrinsecamente ligado ao desenrolar da guerra, à sua duração e intensidade, de uma coisa estamos certos: vai haver uma redistribuição de riqueza. Uns, na Ucrânia e na Rússia, ficarão, quiçá, sem a vida, e muitos mais sem casa e sem trabalho. Outros países irão beneficiar do deslocamento dos fluxos turísticos e de investimento, do Báltico e do Mediterrâneo Oriental, a caminho da Europa do Sul e Ocidental.
A maioria dos europeus, contudo, ficará condicionada pela alta dos preços da energia, com impactos na indústria transformadora, nos preços dos combustíveis e no nível geral de preços. Sim, a inflação, como já aqui referi anteriormente, não será de caráter conjuntural, ganhou uma dinâmica estrutural.
O Banco Central Europeu vai reduzir as suas compras de ativos e, provavelmente, fará uma subida ligeira de juros, já em 2022. Um e outro terão um impacto negativo em vários setores, mas muito positivo nos fundos de pensões e na intermediação financeira.
Como a História nos ensina, tempos de inflação moderada, ou mesmo alta, foram sempre propícios aos fundos de pensões e à intermediação financeira. Mas 2022 será também um bom ano para a banca comercial que, tudo indica, beneficiará de um ciclo de elevada rendibilidade.
Se o ano transato tinha sido um dos melhores de sempre para a banca, grande parte da indústria transformadora e para o turismo, mal se percebe a insistência de entidades patronais em fazerem atualizações das cláusulas de expressão pecuniária e das tabelas salariais que não compensem os trabalhadores pela inflação (1,3% em 2021) e pelos ganhos de produtividade.
E também se percebe mal a insistência de algumas destas entidades patronais em querer continuar o ciclo de empobrecimento dos trabalhadores em 2022, quando se sabe que a inflação vai impactar nos rendimentos dos seus assalariados.
Não se percebe, também, que certas organizações sindicais, querendo iludir a sua não vontade de lutar por aumentos decentes em 2021 e 2022, queiram arrastar-nos a todos com a sua tentativa, tosca, de englobar a negociação de 2021, a par com a de 2022. Como se os trabalhadores fossem vítimas de analfabetismo financeiro ou de uma qualquer ilusão monetária.
Talvez seja isto que o senhor Presidente da República tenha em mente quando fala em necessidade de solidariedade em tempos difíceis: com a inflação em alta, com resultados das empresas de vários setores também em níveis sem precedente, não chega a solidariedade com o povo ucraniano. É preciso parar o ciclo de empobrecimento dos trabalhadores.
Que a Ucrânia e o seu drama não sejam o pretexto para não pararmos o caminho da desigualdade e do empobrecimento de quem trabalha em Portugal.