Paulo Rangel é o primeiro gay assumido a liderar o governo de Portugal. É certo que apenas o fará por 15 dias, mas está já em funções e ficará até 27 de agosto. É curioso que aconteça num governo de centro-direita e num tempo em que as ideias se polarizaram de uma forma radical. É uma boa notícia. E é-o precisamente por vivermos entre barricadas de gente vazia de ideias, mas prenhe de certezas.
O ministro dos Negócios Estrangeiros assumiu a sua condição de homossexual em setembro de 2021. Fê-lo por não desejar ficar refém de um segredo de polichinelo – depois da entrevista a Daniel Oliveira libertou-se desses aparentes “telhados de vidro” que o ameaçavam fragilizar à direita e à esquerda.
As coisas seguiram o seu caminho e nestes 15 dias, enquanto Luís Montenegro estende a toalha algarvia, Rangel ocupou os dossiês.
Trouxe o tema por dois motivos. O primeiro para constatar que nenhum comentador fez referência a este enormíssimo pormenor. Quando Gabriel Attal ocupou o Hôtel Matignon as televisões portuguesas organizaram debates acerca da homossexualidade do jovem protegido de Macron. E quando Leo Varadkar ascendeu ao lugar de primeiro-ministro na Irlanda vários foram os textos escritos em Portugal.
Pois bem, este silêncio ensurdecedor diz do nosso provincianismo atávico. É como se o tema não existisse, como se não tivesse uma leitura política e sociológica. Continuamos a falar muito baixinho quando os temas criam desconforto. A homossexualidade não é um assunto de que se fale, não é sério que alguém o faça… só se for lá fora.
O segundo motivo para sublinhar a importância deste passo obviamente calculado pelo primeiro-ministro. Na formação do executivo o tema terá sido discutido. Poderia ter tido uma escolha diferente, ninguém o discutiria ou ousaria contestar, mas Montenegro quis que fosse assim. E é justo que lhe possa ser creditado este passo progressista que vai ao encontro do legado de Francisco Sá Carneiro quando assumiu a relação com Snu, apesar de ser casado com uma outra mulher, mãe dos seus quatro filhos.
É um assunto diferente? Claro que sim, diria até incomparável. Porém, incomparável ou não, a história dirá que o primeiro primeiro-ministro homossexual em Portugal, apesar de interino, foi do PSD. É curioso, mas é também um alarme para o Partido Socialista que não o pode desvalorizar.