Foi sem surpresa que assistimos à audição parlamentar do professor Mário Centeno, enquanto indigitado pelo partido do governo para governador do Banco de Portugal. Infelizmente, o exercício centrou-se muito em questões de ética, importantes em todo o caso, mas pouco naquilo que é a sua visão para o magistério de influência e de decisão que prevê desempenhar no seio do BCE, e para a estabilidade do sistema financeiro operante em Portugal.

Guardaremos para um futuro artigo uma reflexão sobre a relevância, para um pequeno país, do seu papel no supervisor europeu e na concretização da União Bancária, por ora num limbo que não parece aproveitar ao nosso país.

Mais premente, porque se trata de uma prioridade, é a questão da estabilidade do sistema financeiro em Portugal.

Ultimamente, tem sido dado o devido destaque ao papel que o Serviço Nacional de Saúde teve no combate e na preparação para a primeira fase da pandemia de Covid-19. Diversos observadores têm destacado o papel dos profissionais de saúde e dos gestores hospitalares, a sua experiência e conhecimento, o modo como foram absolutamente decisivos na detecção, testagem, isolamento, tratamento e contenção do vírus.

Estamos a falar de profissionais cuja experiência e cujos estudos foram e são nas áreas profissionais que escolheram. Assim, como não poderia deixar de ser, tivemos médicos e enfermeiros a cuidar dos doentes, nos cuidados intensivos, e não economistas ou arquitectos. Não sei se existe um processo de “fit and proper” hospitalar, mas tenho a certeza que seria irrazoável que amadores tivessem tido a responsabilidade de prestar funções nos cuidados intensivos hospitalares.

Por isso, seguindo o mesmo raciocínio lógico, na banca o “fit and proper” nunca poderá ser um processo que abra as portas a amadores para cargos de gestão, ou que afaste, sucessiva e irremediavelmente, os profissionais com carreira bancária, apenas porque a tiveram.

Também compete ao governador assegurar que os bancos têm as almofadas de capital relevantes para acomodarem imparidades, sob cenários de maior pressão, ou que os seus accionistas de controlo, a existirem, possuam a capacidade de o fazer se assim forem solicitados pelas circunstâncias. Todos sabemos o que aconteceu ao Banif, BPN ou BES, o tempo que se perdeu e a destruição de valor e de empregos, quando os accionistas, incapazes, usaram de manobras várias, adiando ao extremo a revelação da sua incapacidade para realizar os necessários aumentos de capital. Perderam-se três bancos, milhares de postos de trabalho directos e indirectos.

A um governador do Banco de Portugal pede-se que esteja preparado para uma capitalização pública atempada e fulgurante, se necessário. Fizeram-no os italianos e os espanhóis no passado. Infelizmente, nós não tivemos a audácia e a prontidão de uns e de outros, com as consequências nefastas que sofremos.

Acresce que eventuais sacrifícios devem ser partilhados por todos, a começar nos accionistas e nos obrigacionistas. Não devem ser os trabalhadores a pagar pelos erros de terceiros. Além de moralmente injusto, seria apenas inútil e irrelevante, pois os problemas de competência de gestão, ou de sub-capitalização, não se resolvem com menos um punhado de bancários.

Equipas de gestão experientes e qualificadas. Capitalização robusta e escalável. Tem a palavra o senhor governador. Sugiro-lhe, se me permite, que comece pelo Banco Montepio.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.