Rui Costa é uma das histórias mais extraordinárias do futebol contemporâneo. No tempo iconoclasta que vivemos, obcecado em monitorizar e dissecar, 24 horas por dia, o comportamento de quem se apresenta em público (se é que ainda sobra alguma coisa privada), nenhum deus está livre de lhe encontrarem uma fissura, justamente, porque, afinal, ninguém é deus. Mas a história de Rui Costa, há 30 anos a acontecer diante dos olhos de milhões, é daquelas que ficará, para sempre, nos anais do futebol mundial.

Descoberto por Eusébio, veio miúdo para o Benfica e sagrou-se campeão mundial de juniores a marcar o penalty decisivo, no calor do estádio do seu clube, a rebentar pelas costuras com 120 mil apaixonados em polvorosa. Subiu a sénior, integrou uma equipa extraordinária com João Pinto, Futre, ou Rui Águas, esteve na épica eliminatória diante do Arsenal de Londres, na louca reviravolta diante do Bayer Leverkusen, na obra-prima do 3-6 de Alvalade, na taça levantada depois do 5-2 ao Boavista, no campeonato inesquecível de 93-94, após o Verão Quente em que, ao contrário de outros, recusou perentoriamente qualquer tentativa assédio de Sousa Cintra para, num momento de dificuldade financeira do Benfica, se mudar para o outro lado da 2ª circular.

O Rui saiu cedo? Saiu porque há muitos anos que se fazem negócios no futebol. O que tornou a história dele tão diferente também a partir daí foi como tudo se passou: é que, primeiro, saiu sempre prometendo voltar; segundo, podendo fazê-lo para um muito maior Barcelona, optou pela Fiorentina, por ser a oferta que permitia maior encaixe financeiro ao Benfica.

Durante 12 anos, Rui brilhou intensamente em Itália, primeiro como príncipe de Florença e, depois, finalmente num clube com a dimensão que lhe permitiu alcançar os títulos italianos e internacionais que merecia. Durante 12 anos, não houve Presidente do Benfica ou candidato a tal que não prometesse trazê-lo de volta; fê-lo Luís Filipe Vieira, em 2006, com Rui, mais uma vez, a provar porque era tão diferente. Pediu ao Milan que o deixasse sair, para ainda voltar em idade de dar algo ao clube do coração, e voltou, assinando um cheque em branco. Voltou sem sequer saber quanto ia ganhar. O Benfica pagaria o que pudesse.

O marketing transforma muita coisa, mas nem todos os banhos de publicidade podem aproximar figuras de bastidor disto: há os que nascem para o campo, para o palco, para a história, e há os que ficam a ver. Depois de 12 anos na administração, Rui foi agora convidado por Luís Filipe Vieira para seu vice-Presidente, e é difícil imaginar melhor continuação para esta epopeia.

Numa altura em que, legitimamente, tanto se fala das eleições norte-americanas, podemos bem falar do caso dum ticket vencedor: Luís Filipe Vieira / Rui Costa. Presidente e vice; o presente e, muito provavelmente, o futuro do Benfica. Vieira, tão criticado nos últimos tempos por estar, alegadamente, agarrado ao poder, dá aqui um incontestável sinal de boa gestão: prepara a transição, como fazem todas as grandes empresas e organizações.

Claro que o Benfica é uma democracia e não uma monarquia absoluta. Não há dinastias nem sucessões automáticas no poder. A decisão de quem comanda os destinos do clube será sempre dos sócios, mas Luís Filipe Vieira vai deixá-los com uma muito boa opção.

Rui, o príncipe de Florença, o maestro da Luz, tem agora quatro anos para aprender gestão. Se o fizer com a mesma sensatez, dedicação e princípios por que pautou toda a sua carreira, vai ser um caso sério.