Como decorre da História, alguns políticos ficaram ligados a traços ou marcas do seu visual. Uma imagem que não deixa margem para o orgulho. A vox populi não é meiga quando tem ocasião de se rir à custa dos poderosos. Lembre-se o lábio e o maxilar de vários reis e imperadores da família Habsburgo, ainda que suavizados pelos pintores do paço. Veja-se o cómico bigodinho de Hitler. Recorde-se a mancha na testa de Gorbachev a fazer lembrar o arquipélago de Durak Aprel.
Porém, até há alguns anos, a democracia e o cabelo não pareciam ter nada em comum. Uma situação que está em vias de alteração. Uma mudança feita em tons loiro-amarelados. Uma tonalidade que, no entanto, não augura um futuro dourado para o regime democrático.
Primeiro foi no país das tulipas onde continua em vigor o discurso populista e xenófobo de Geert Wilders, o líder do Partido da Liberdade (PVV). Uma designação pouco consentânea com a realidade de um partido que representa uma criação sui generis, pois é o único no mundo que se baseia numa organização que apenas conta com um membro. Há partidos, como o Partido Comunista chinês, onde é moroso o processo de filiação. Geert Wilders, do alto da sua volumosa cabeleira loira, foi mais longe ao não permitir a entrada de ninguém no seu partido. Por isso, todos os candidatos eleitos pelo PVV apenas o representam e respondem perante o dono do partido.
Depois veio Donald Trump. A sua forma de estar na vida, designadamente no mundo empresarial, já era conhecida. Porém, não foram muitos aqueles que se revelaram capazes de antever a dimensão das ideias tapadas por um penteado tão esquisito e indecifrável. Provavelmente a começar pelo próprio. Daí a perplexidade causada por muitas das suas afirmações. Os tweets de Trump passaram a fazer parte do noticiário – e, com demasiada frequência, do anedotário – mundial.
Verdade que a circunstância de Trump presidir aos destinos da maior superpotência não deixa que o gozo alheio seja demorado. O riso não tarda a calar-se e a dar lugar à apreensão, mesmo sabendo-se que nos EUA vigora um regime que, ao contrário do que acontece na Coreia do Norte, não reconhece ao presidente o direito de impôr um dos 28 penteados autorizados.
Finalmente chegou Boris Johnson que, malgrado gostar de se apresentar como seguidor de Churchill, parece mais talhado para seguir as pisadas de Trump. O penteado é como o algodão e não engana. Daí que a sua entrada no número 10 de Downing Street esteja a ser acompanhada de uma debandada no Parlamento e, inclusivamente, no governo. Um vendaval a que não tiveram vontade de resistir o irmão de Johnson e o speaker da Casa dos Comuns, John Bercow. Os laços de sangue do primeiro e a reconhecida rebeldia capilar do segundo não foram suficientes.
A longa história do Partido Conservador não permite a Johnson seguir o modelo que Geert Wilders implantou no seu partido unipessoal. No entanto, tal não implica que a cada medida anunciada esteja cada vez mais só e, como tal, veja aumentar a probabilidade de passar à História como Boris, o Breve.
Face ao exposto, talvez não seja abusivo concluir que, mesmo nos países com uma longa tradição democrática, a democracia pode enfrentar um problema capilar. Uma situação difícil de resolver. O pente, apoiado ou não pela laca ou pelo gel, só atua à superfície. As despenteadelas da democracia acontecem no interior.