Lucília Gago despediu-se do público, na única entrevista dada durante todo o mandato. A seguir, compareceu perante os deputados, com uma audição na Assembleia da República, o que também foi uma estreia nos seis anos em funções, e daqui a um mês dirá adeus ao cargo de procuradora-geral da República. Não vai deixar saudades.
Lucília Gago já faz parte do passado e a questão que se coloca já não é o seu legado ou a realidade alternativa em que crê que a justiça se movimenta, a inexplicada campanha orquestrada contra o Ministério Público ou a responsabilização das defesas pelas fugas de informação, mas sim quem a vai substituir.
O Presidente da República já avisou que quer participar na escolha do próximo titular do órgão superior do Ministério Público com o primeiro-ministro, da mesma forma que o fez com o anterior, António Costa, o que resultou na nomeação de Gago, mas, depois do que aconteceu, é imperativo que seja muito mais do que uma decisão com base num perfil.
Chegados aqui, seria desejável que se revisitasse o processo de seleção, até para que a procuradoria-geral tenha uma maior legitimidade face a outros poderes constitucionais. Depois, que haja mecanismos que permitam a prestação de contas. É inadmissível que durante todo um mandato só uma vez a PGR tenha sido ouvida pelos deputados.
Antes disso, quem for escolhido deveria sentar-se no Parlamento a explicar ao que vem, que prioridades tem definidas e porquê, que equipa quer formar para trabalhar consigo no gabinete e quem vai escolher para vice-procurador e para procuradores-gerais distritais. Também como se relacionará com o Governo e com a Assembleia da República, até porque o decisor político contribui muito para o enquadramento da atividade, não só através da prerrogativa legislativa, mas também pela definição dos recursos disponíveis.
“O perfil do procurador-geral da república suscita na sociedade uma enorme expectativa, que, não raras vezes, o encara como único responsável pelos sucessos e insucessos do Ministério Público e mesmo da própria justiça”, afirmou Lucília Gago quando foi empossada, para defender que esse ónus não lhe devia ser imposto, “como se de uma figura providencial e messiânica se tratasse, mas antes a todos os órgãos e agentes do Ministério Público”. Mas não é isso que acontece e o que se espera do titular do cargo é, em primeiro lugar, que trace objetivos, que garanta a gestão dos recursos e, principalmente, que lidere. Por isso, a cabeça responde pelo corpo.
Assim, deve ser aproveitada a oportunidade para que, mais do que um perfil, se faça uma alteração processual que traga maior participação, e se criem condições para haver prestação de contas. São condições para trazer a Procuradoria-Geral da República de volta à mesma realidade em que os outros portugueses vivem.