A melhor definição do Governo com a geringonça é o “progmatismo”, conjugação explosiva e incoerente de programas com pragmatismo. Cientes de que a ideologia não dá votos, ao estabelecer barreiras e dogmas que condicionam a decisão, a ideologia transformou-se num cinto de ligas que adorna mas comprime, que tolhe e impede a liberdade para uma ação imediata. A fuga permite um perfeito jogo de cintura, mascarado de decisão estratégica e de objetividade futura, como foi visível nesta legislatura.

Cada vez que um dos partidos da maioria reclamou perante o Governo, logo se alterou a decisão. Assim aconteceu na saúde, nos transportes, ou na relação com os sindicatos. Quando os partidos da oposição reivindicaram com voz grossa, como sucedeu na defesa do interior ou nos fundos comunitários, logo se conciliou à direita. Sobrevivendo em ziguezagues e apesar de grandes declarações de independência, assim também sucedeu nas finanças públicas. O cumprimento do défice, a qualquer custo, implicou cativações, o travão no investimento e na execução orçamental.

Tal foi mais evidente em 2019, quando apenas em julho houve diploma de execução orçamental, seis meses depois da sua entrada em vigor. Justificada está a degradação dos serviços públicos e a emergente abertura de novos concursos – pessoal, aquisição de bens e serviços, investimentos apressados. Reconhecido na Europa, o ministro Centeno demonstra com estatísticas a pobreza da economia portuguesa. Ninguém pergunta pelas razões, o que importa são os resultados.

Temos eleições e agora vai haver dinheiro para tudo. Até final de junho não havia dinheiro para nada. Bem pode António Costa acentuar que não realizou orçamentos suplementares ou inconstitucionalidades. Verdade. Mas também é verdade que o ano só passou a ter um semestre. Concretizando-se assim o programa na área das finanças. Com condicionamento total e garrote absoluto.

Fez bem o Governo e o seu ministro das Finanças. Baixou o défice por ação própria e baixou a taxa de juro por circunstância alheia, mas não quis baixar a dívida pública. Esta cresceu cerca de 20 milhões de euros em quatro anos, isto é, aumentou 10% o nível de endividamento dos portugueses. Mas tal trouxe notoriedade ao Governo que, pelo milagre português, trepou à liderança do Eurogrupo, cujo ministro se perfila agora como candidato ao FMI.

Merece um cumprimento e um alerta. Reconhecimento pela aplicação da lição financeira. Mas um aviso relevante pois nas organizações internacionais as regras são ditadas e cumpridas internamente, com controlo dos utilizadores e de uma feroz opinião pública. Ali não haverá espaço para adiamentos nem falta de atenção pública sobre os comportamentos de quem precisar do apoio das instituições.

Este comportamento do Governo só sucedeu porque o escrutínio público em Portugal tem sido poucochinho. A oposição igualmente se demonstrou pouco eficaz. Crescentemente é a sociedade civil que, quando se sente incomodada, se agita e protesta. Mas, no fundo, ninguém quer saber desde que haja mais para gastar. Mesmo que seja apenas aparentemente, porque entre reposição de vencimentos e aumento de impostos diretos e indiretos ainda não se apurou o deve e o haver. Porém, e independentemente das contas por fazer, os níveis de consumo e de crédito aumentaram. Em nome da imagem e da vontade de gastar.