Desconfinamento é a palavra que entrou no léxico destes dias. E com este termo, vem o desejo da gradual readaptação a uma certa forma de normal. Mas que não será o normal de há dois meses. É um salto no desconhecido, cujos desafios que a visão alcança permitem antecipar significativas mudanças de paradigma nas tendências de consumo que interferem diretamente nos negócios que gerimos.

Em conversa recente com um amigo, que muito estimo pela sua capacidade visionária, fomos formulando várias alterações prováveis, que tantas vezes teimamos em não considerar no replaneamento da atividade das empresas. As pessoas não vão querer estar em locais com muita gente. Antes, éramos atraídos pelos aglomerados nos restaurantes. Agora, iremos procurar os menos frequentados. Como animais gregários, que procuram segurança e estímulo na multidão, éramos tentados pela vida das downtown, pelos locais de férias com gente.

Agora ocorre-nos passar férias em locais com pouca gente. E, no meio de tudo isto, fomos sujeitos a um curso intensivo de compras online, serviços financeiros online, conversas online, seminários online e live streams. Acelerámos a adoção de formas de comunicação à distância que já estavam disponíveis, mas que evitávamos. Por desconhecimento ou por medo de exposição à inadaptação.

O medo agora está centrado no vírus. Mais vale ir ao banco, ao supermercado, à farmácia ou à loja de informática, pela internet. É mais seguro. Até já é mais seguro assinar digitalmente. O que era quase impossível há umas semanas, hoje é mandatório.

Um recente estudo da consultora McKinsey, realizado num conjunto de países desenvolvidos, apontava para um crescimento entre 15 a 20% na intenção de comprar online, com a consequente redução em 30% de compras por impulso em superfícies de vendas. Porque os consumidores estão a passar por uma experiência que lhes altera a atitude perante a compra. O processo de decisão de compra está a ser afetado por duas dimensões: racionalidade e ausência de contacto físico. A primeira, devido à redução de poder de compra. A segunda, por medo do vírus. Isto quer dizer que os hábitos de consumo mudarão muito.

Um outro aspeto a considerar é que não estamos sozinhos na cadeia de valor. Sobretudo, quando analisamos as relações B2B. É um erro reabrir a atividade sem fazer uma análise sobre o que mudou, como mudou e a que ritmo.

De que vale reabrir em força, se clientes e fornecedores não o fizerem ao mesmo ritmo? Desde logo, uma das reflexões será sobre a gestão da liquidez da empresa. Reabrir tem custos. Custos implicam capacidade de tesouraria. São vasos comunicantes entre pagamentos e recebimentos. Se um falha, falha em cadeia. Importa perceber se os parceiros de negócio estão a evoluir a par e passo. E vale a pena analisar como evoluíram na adoção da tecnologia.

Imaginemos que a reinvenção na forma de trabalhar, que experimentámos em confinamento, se ajusta às expetativas dos clientes e fornecedores. Tal poderá representar uma oportunidade de ir em frente (para o próximo normal), sem necessidade de dar passos atrás (o que julgamos normal, mas que afinal, passou: o anterior normal). Quer nos métodos de trabalho, na produtividade e no “work-life balance” das pessoas, evitando absentismo e estimulando a motivação.

E, o mais importante, a confiança. Não se planeia. Constrói-se, com ponderação, mas com capacidade de tomar decisões rápidas, num quadro de humildade para recuar sempre que tal for mais avisado. O desafio é o da adoção de uma postura de redobrada prudência. O vírus não morreu. Ele anda por aí. Temos de aprender a viver com ele. Para já, o desconfinamento é sinal de que os sistemas de saúde já não têm a sua capacidade instalada ameaçada nos cuidados intensivos. São boas notícias. Mas, por agora, é “apenas” isto.