A notícia não colheu ninguém de surpresa. Sobretudo aqueles que – como António Costa – fizeram questão de mostrar estupefação. A regra habitual.

Desde há muito que a decisão germinava no Largo do Rato. Praticamente desde que Sócrates foi detido. Bastava prestar atenção às palavras daqueles que se iam resguardando atrás de uma proteção à prova de comprometimentos. A frase: à política o que é da política e à justiça o que é da justiça.

Só que nesses tempos Mário Soares ainda não tinha feito a viagem para o Além. Aliás, as suas viagens eram para a prisão de Évora para visitar José Sócrates. Um preso político. A única terminologia admitida por Soares.

Porém, com o desaparecimento do progenitor do PS e a acusação por parte do Ministério Público, a campanha para o partido se demarcar em definitivo de Sócrates ganhou pressa.

O PS tinha de se libertar daquele elefante que tinha na sala e que não parava quieto. Era vê-lo a apresentar livros. A fazer palestras perante plateias selecionadas e sem direito a perguntas. A apregoar a inocência. A denunciar a cabala do Ministério Público e de órgãos da comunicação social.

Um perigo atendendo a que o Costaquistão – sistema dos que estão com Costa – não demorará a ir a votos.

Felizmente surgiu o caso Manuel Pinho. Mais um a juntar-se à Operação Marquês. Outra acha para a fogueira. Poderia chamuscar o partido. Era preciso transformar o possível problema em oportunidade. O cordão umbilical já estava seco. Reclamava o corte.

As vozes habitualmente desalinhadas, como Ana Gomes, não interessavam. Era preciso gente mais conceituada. Pelo menos aos olhos da direção do partido. O palco foi concedido a Carlos César e a João Galamba. O discurso meticulosamente preparado. As frases não assumiram o tipo declarativo. Refugiaram-se na eventualidade. Assumiram o “se” como condição.

Só que a utilização da palavra “vergonha” não deixava margem para dúvidas. O partido tinha ditado a sentença dispensando o julgamento. Ato cujo início é bem capaz de coincidir com a conjuntura eleitoral. Uma altura em que nada pode falhar sob pena de o Costaquistão entrar em disfuncionamento.

A palavra final coube a António Costa. Obviamente para corroborar o que César e Galamba tinham dito. A sentença foi assinada pelo partido. José Sócrates limitou-se a escrever a carta de demissão. Um procedimento habitual nos corredores do Poder e da Administração Pública. A saída inevitável, mas que se finge ser pelo próprio pé.

Sócrates não se desfiliou do PS. Foi o PS, ou pelo menos a sua direção, que se desligou de Sócrates.

Como é lógico, coube a Costa o direito de primazia na manifestação de espanto. Quanto ao respirar de alívio fica para mais tarde. Por agora há que preparar o Congresso. Importa voltar a fazer passar a mensagem de que a amizade e a solidariedade pessoais não podem imiscuir-se na prática política.

Afinal, os homens passam e o partido fica. De preferência no primeiro lugar. O único que acautela a sobrevivência do Costaquistão.