Após os acontecimentos trágicos de Santo Tirso algumas vozes vieram criticar a “Lei do não abate” de animais de companhia (a Lei n.º 27/2016, de 23 de agosto) e defender opções que seriam um incompreensível retrocesso civilizacional.

Se queremos debater de forma séria os problemas que persistem em Portugal em matéria de protecção animal, há que reconhecer que estes assentam antes na permanente falta de vontade política do Governo (e das autarquias), que se tem traduzido na ausência de meios financeiros adequados para garantir o cumprimento da legislação e a implementação de uma rede eficaz de Centros de Recolha Oficial de Animais (CROA).

No Orçamento do Estado (OE) deste ano foram atribuídos 2,2 milhões de euros aos CROA, destinados a financiar melhorias nas respectivas instalações. Este valor representa um avanço em relação à proposta inicial do Governo (de apenas 1,5 milhões de euros), fruto da discussão na especialidade e de um acréscimo de 700 mil euros em relação ao valor atribuído pelo OE de 2019 (que contava com menos 500 mil euros do que no OE de 2018).

O total do financiamento dos últimos três anos corresponde apenas a 17% das necessidades identificadas no relatório de 2017 da DGAV e DGAL, que conclui que o esforço financeiro mínimo para garantir o cumprimento da legislação de protecção animal é de um total de 32,9 milhões de euros: 22,3 milhões de euros serviriam para a ampliação, modernização e requalificação dos CROA, 10,3 milhões de euros serviriam para a construção de novos CROA e 315 mil euros para garantir os requisitos mínimos associados à esterilização.

Estes dados mostram que as insuficiências actualmente existentes nos CROA não surgiram por acaso e muito menos se ficaram a dever à “Lei do não abate”, mas, sim, a um subfinanciamento crónico dos últimos orçamentos do Estado.

Num contexto em que se discute onde vamos utilizar os muitos mil milhões de euros provenientes da bazuca europeia, para além de ser importante que esse dinheiro não seja investido em projetos faraónicos, que não servem as necessidades do país, também a protecção animal não pode continuar a ser tratada como o parente pobre. Esta é uma oportunidade para que sejamos capazes de tomar medidas que resolvam os problemas concretos do nosso país, com soluções para as políticas de bem-estar animal e para a necessária ampliação e melhoria das infraestruturas dos CROA municipais e intermunicipais, o que tem um impacto orçamental residual e perfeitamente acomodável.

Só a manifesta falta de vontade política poderá levar a que se continue a adiar o investimento necessário. O OE de 2021 pode e deve ser esse momento de viragem – alinhado com a estratégia nacional de protecção e bem-estar animal – e garantir o reforço de meios humanos, de infraestruturas e equipamentos adequados e de proximidade com a população e ainda a realização de campanhas de adopção e esterilização. Haja vontade política e financiamento também!

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.