Regressado de férias na China, aterrei em Lisboa em plena campanha eleitoral. Infelizmente, já não assisti aos principais debates entre líderes partidários, mas do que li nos jornais acredito que não terei perdido grande coisa.

E as actividades e iniciativas da campanha propriamente dita, digamos que também não me seduziram até agora. Antes pelo contrário, confirmaram as expectativas que tinha de que seria uma campanha desinteressante, vazia de ideias e projectos, em que se propagandeiam conceitos vagos e abstractos, se anunciam realizações com base em estatísticas manipuladas e se descrevem objectivos e intenções insuficientemente justificadas.

Isto para não falar nos tão badalados “casos e casinhos”, dos pequenos vícios privados tão esmiuçados e empolados, mesmo que não tenham qualquer materialidade ou impacto real, desde que que criem uma aparência que dê para alimentar as redes sociais, onde as regras de civilidade, moderação e decência não existem e onde a mera suspeição equivale a condenação pública sem possibilidade de defesa ou contraditório.

É triste que se continuem a fazer programas políticos sem se fazer um balanço real da situação do país, nem se reflectir sobre o que queremos que seja o futuro e como lá chegar.

Fala-se muito de reformas – da saúde, da justiça, da educação, da segurança social, das autarquias, das forças armadas… – mas, na realidade, aquilo que se discute não são verdadeiras reformas, são medidas avulsas para resolver problemas específicos do curto prazo.

Discute-se política de imigração sem a ligar a uma verdadeira análise das necessidades da economia, mas sim a uma mera percepção de uma certa falta de segurança e à imputação, não provada, de que os imigrantes – sobretudo os de determinada origem étnica ou prática religiosa – imigram por uma questão de oportunismo parasita ou são propensos à delinquência.

A prioridade é o imediato, a aparência, o pequeno problema artificialmente empolado através da utilização criteriosa de soundbites e insinuações pouco claras, não é criar um quadro sustentável em termos de futuro, para o que será imprescindível um debate sério centrado no papel do Estado – o que deve o Estado ser e fazer, até no quadro do desenvolvimento da União Europeia? Deverá ter um papel director, interventor, moderador ou regulador da sociedade? E deve tê-lo em todos os sectores ou só nalguns, ou deve ter um papel diferente consoante a natureza do sector?

Desse debate resultaria uma ideia global a partir da qual se poderiam começar a tomar decisões relativas à dimensão e configuração geral do Estado, e às suas necessidades de financiamento. Até lá, não será possível discutir de modo informado sobre questões tão relevantes como a carga fiscal ou o aumento ou redução de impostos, sendo que tudo o que se pretenda fazer a este respeito estará condicionado pelo Estado que existe.

Este debate não é fácil, exige vontade de criar um consenso nacional, porque afecta a globalidade da comunidade nacional. É necessário que resulte num quadro que reflicta a mais ampla base de entendimento possível, sem criticar posicionamentos ideológicos de uns ou de outros – porque a afirmação de que tal ou tal posição traduz um preconceito ideológico é ela própria reveladora de um posicionamento ideológico divergente.

O debate ideológico, que tem origem em diferentes visões sobre a sociedade, é essencial ao debate político democrático, para que governar não se limite a uma mera gestão burocrática das conjunturas.