A actual democracia portuguesa nasceu em torno da inimizade às maiorias absolutas. É essa a conclusão a que se chega interpretando as soluções consagradas na Constituição, em 1975-1976, quer quanto ao sistema eleitoral, quer quanto à investidura parlamentar.

Na realidade, a adopção do sistema eleitoral proporcional nas eleições legislativas e a não exigência da aprovação do programa do Governo na Assembleia da República (que pode nem ser votado) são soluções jurídicas criadas para, ao mesmo tempo, evitar as maiorias absolutas de um partido e dar resposta à governabilidade na ausência de uma (não pretendida) maioria absoluta.

Na mente dos constituintes, se bem a interpreto à luz do contexto político do imediato pós-25 de Abril, terá prevalecido, por um lado, uma atávica associação entre a ditadura (acabada de derrubar) e a maioria absoluta (por contraditória que tal associação possa parecer) e, por outro, a convicção de que nenhum dos partidos fundadores da democracia (PS, PPD, PCP e CDS) poderia (e deveria) alcançar sozinho mais de 50 % dos mandatos parlamentares.

Associado a isto terá sido valorizada a ideia do pluralismo multipartidário (daí o sistema proporcional) em prejuízo da governabilidade, na lógica de uma “democracia pluralista consensual”. Mas, se essa foi a origem, a verdade é que a história da democracia portuguesa dos últimos 40 anos deu-nos várias maiorias absolutas de um só partido (PSD e PS) ou de coligações pré-eleitorais (AD).

Ou seja, parece que os portugueses terão rejeitado as preocupações dos nossos pais fundadores. E nesse sentido a recente afirmação do primeiro-ministro de que os portugueses não gostam de maiorias absolutas não resistiria à prova dos factos.

Contudo, estou em crer que António Costa tem razão e os escassos estudos empíricos sobre o tema parecem confirmar a ideia de uma difusa associação entre maioria absoluta e a redução/compressão da liberdade (talvez reforçada pelo ambiente intolerante experienciado a espaços nas maiorias absolutas que nos governaram).

E, por outro lado, os portugueses constataram que os governos minoritários, dispensando as maiorias absolutas e negociando permanentemente com os restantes partidos (o que amplia os espaços de liberdade), podem governar com poucos entraves cumprindo a legislatura (como aconteceu com o Governo actual). Ora, se o que acabo de escrever faz sentido e traduz uma preocupação real dos portugueses (que me parece partilhada pelo primeiro-ministro), então só nos resta (pelas vias que cada um entenda democraticamente mais eficazes ou apelativas) dar-lhe a resposta adequada e evitar a malfadada maioria absoluta.

A menos que, muito prosaicamente, o que cada um dos portugueses verdadeiramente não gosta é da maioria (absoluta ou até relativa) do partido em que não votou. Mas aí nada a fazer. Ou como diria um ex-governante socialista, “é a vida!”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.