Era o terror dos crentes. Ou melhor, dos que não sabiam justificar a sua crença. Em 1976, Richard Dawkins lançou O Gene Egoísta, a mais divulgada obra do neodarwinismo. Em 2006, A Desilusão de Deus. Assim fecharia o leque essencial da sua beligerância contra aqueles que, na transição do milénio e na primeira década do século XXI, ainda defendiam a razoabilidade de crer em Deus.

Já na altura, porém, a hegemonia do neodarwinismo ateu apenas se propagava na cultura pop e na mentalidade das massas. Inclusive entre os neodarwinistas, Francis Collins – nada menos que o ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano – contestava a visão antirreligiosa de Dawkins; vendo na própria evolução genética das espécies a Linguagem de Deus (2006).

Hoje, os opositores ao neodarwinismo são mais que muitos, pelo que a voz dos que sempre o contestaram tem alcançado uma influência crescente na opinião pública. É o caso do biólogo Denis Noble, professor emérito da Universidade de Oxford e jurado da tese de doutoramento do próprio Richard Dawkins. Num debate organizado pelo IAI – Institute of Art and Ideas – Noble deu uma autêntica lição ao seu ex-doutorando, acerca da complexidade dos organismos vivos; vendo neles a causa das mutações genéticas e não somente a consequência.

Digamos que há uma “inteligência” orgânica (a qual não sabemos bem onde está nem precisamente o que é) que dá instruções aos genes, para que estes ativem ou desativem, em conformidade com os seus interesses de adaptação ao meio ambiente.

Os argumentos epigenéticos contra a visão neodarwinista – ainda que tais conceitos não se contradigam irremediavelmente – são cada vez mais utilizados, até porque fornecem explicações mais satisfatórias para grandes saltos mutacionais em períodos de tempo demasiado curtos para tal; como foi o caso da revolução cambriana.

Assim, embaladas nesta recente onda contestatária, que finalmente atinge o grande público, surgem também as vozes mais polémicas. Nomeadamente, as do Discovery Institute (declaradamente anti-darwiniano e tendencialmente pró-criacionista) e dos cientistas que colaboram ou têm alguma afinidade com o mesmo: David Berlinski, David Gelernter e Stephen Meyer. Enfim, discorde-se ou não, vale a pena ouvir o que têm a dizer.

Mas, a história não acaba aqui. A onda de contestação ao neodarwinismo e ao próprio darwinismo, que sempre existiu no seio das comunidades científicas, apenas amplificou a sua voz. E amplificou-a por um motivo muito simples: veio a reboque de outra onda, ou melhor, do autêntico tsunami que tem sido a contracultura do século XXI. À direita (termo que uso para simplificar), esta contracultura tem reforçado os ideais conservadores, até mesmo tradicionais, e fomentado a regeneração do cristianismo. Daí que tantas figuras contestatárias tenham anunciado a sua conversão ou, no mínimo, a sua simpatia pela religião cristã.

Um dos casos mais recentes foi o de Ayaan Hirsi Ali, ex-muçulmana que passou pelo ateísmo, até ver no cristianismo a única salvação possível, não só da sua alma como da civilização ocidental. Ora, nos seus tempos de ateia, Ali tornou-se amiga de Dawkins. Hoje, debate com ele acerca de Deus e da sociedade em que vivemos. Mais surpreendente que Ali, porém, tem sido o próprio Dawkins, ao declarar-se um “cristão cultural” e anunciar que faz parte da “equipa dos cristãos” (team christianity). É caso para perguntar, à Luís Filipe Vieira: “O que passou-se, Richard?”.

Sejamos claros, o mais famoso dos neodarwinistas (ainda) permanece ateu. Sucede que ambas estas correntes estão em decadência, na cultura atual. Restam três equipas, a woke, a islâmica e a cristã. Nenhuma outra tem futuro. Assim, Dawkins não tem dúvidas que, a bem da civilização, pertence à terceira. Irá converter-se? Ninguém sabe. Uma alma só se deixa pescar se quiser. Mas, se morder, já não sai do anzol. Fica o aviso: Be careful what you wish, you just might get it.