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“O que se procura no clipping não é informar o leitor, mas sim o lucro”. Empresas vão passar a pagar direitos de autor

Depois da condenação de três empresas de clipping, saiu um acórdão que se apoia no pagamento de royalties que servem como pagar pelos direitos de autor. O Jornal Económico falou com o diretor de Propriedade Intelectual na Inventa International sobre o que implica esta decisão.
9 Outubro 2019, 07h45

No passado mês de setembro, três empresas que realizavam serviços de clipping foram condenadas a pagar aos jornais afetados 4,5% do valor que receberam com esses mesmos serviços, desde dezembro de 2010. A condenação proveio do Tribunal da Propriedade Intelectual após uma ação interposta pela Visapress em 2013.

O Jornal Económico falou com Vítor Palmela Fidalgo, diretor de Propriedade Intelectual na Inventa International, sobre as alteração que decorreram de um acórdão do Tribunal da Propriedade Intelectual. Depois desta condenação, as empresas que realizam serviços de clipping vão ter de pagar royalties, ou seja, direitos de autor aos media em causa.

Qual o impacto económico que esta medida pode ter para as empresas de clipping?

A decisão terá naturalmente um impacto significativo nas empresas de clipping. Se, até aqui, as empresas não pagavam quaisquer montantes pelas obras que utilizavam, o reconhecimento que terão de pagar uma licença para a reprodução, distribuição e arquivo de conteúdos extraídos de jornais ou outro tipo de publicações periódicas, afetará, naturalmente, o negócio.

Apesar da sentença ter sido a propósito em benefício da Visapress, a mesma pode fazer jurisprudência?

Creio que a sentença fará jurisprudência, não por ser vinculativa, mas por declarar o que, na minha ótica, seria a decisão natural.

Durante muitos anos as empresas de clipping justificaram a sua atividade com base na chamada exceção por “revista de imprensa” presente no nosso Código de Direitos de Autor e dos Direitos Conexos. Contudo, a atividade que é levada a cabo pelas empresas de clipping não é nenhuma revista de empresa. Selecionar, organizar e comercializar notícias em jornais e revistas é uma atividade comercial com fim lucrativo e não uma mera referência às publicações existentes. A atividade hoje de clipping é muito mais complexa, transcrevendo-se peças jornalísticas de forma integral. Para além disso, a revista de imprensa sendo uma exceção à proteção dos direitos de autor, terá de ser sempre interpretada de forma restritiva. A atividade que é hoje levada a cabo pelas empresas de clipping ultrapassa, claramente, o âmbito da exceção.

Tendo em conta a dimensão da pena, as empresas de clipping podem estar em risco?

A pena não é de grande dimensão. É natural tendo em conta a remuneração dos titulares de direitos, neste caso, de obras coletivas. As empresas de clipping terão de se adaptar. Tal como se já se paga em outros domínios, como na música, haverá que remunerar devidamente os titulares sob pena de existir enriquecimento sem causa à custa destes.

É ainda importante mencionar que não está estabelecido legalmente um valor a cobrar a título de direitos de autor, é aos titulares que cabe a definição dos termos e condições para a utilização da obra, sendo que, comparando com os valores cobrados noutras áreas, parece não existir aqui qualquer abuso de direito.

Que impacto pode ter esta situação no panorama dos media portugueses?

O impacto não pode deixar de ser positivo. Corrige-se uma situação que era injusta. Ao contrário do que às vezes se afirma, não está em causa a liberdade de informação. O que se procura no clipping não é informar o leitor, mas sim o lucro.

Com a atividade de clipping três pontos são colocados em causa. Desde logo, esta atividade permite que terceiros acedam às notícias e artigos que lhes interessam, mediante uma quantia modesta. O mais comum é que deixem de comprar jornais e outras publicações periódicas. Na verdade já não precisarão de os comprar para conseguir os benefícios que desejam.

Podemos ainda pensar como isto poderá afetar a publicidade. As empresas de clipping não aproveitam, naturalmente, a publicidade que surge nos jornais e outras publicações periódicas, fazendo com que esta deixe de ser aliciante para os interessados. Se a publicidade deixa de chegar aos leitores, qual a razão de as empresas pagarem por ela?

O clipping coloca em causa o bom jornalismo?

Tudo isto coloca em causa o bom jornalismo. Neste é necessário investimento, tanto em recursos humanos quanto materiais. Com o clipping o trabalho de jornalismo degrada-se. Tudo é aproveitado em benefício próprio das empresas de clipping. O trabalho intelectual dos jornalistas deteriora-se: a indústria acaba por substituir os bons jornalistas por medíocres ou fica refém dos grandes interesses, perdendo a isenção necessária.

Com efeito, a decisão permite não só corrigir um desequilíbrio moral e legalmente censurável, como contribui ainda para a sustentabilidade financeira da comunicação social.

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