Há um mistério nos órgãos de comunicação social portugueses. Continua a não se perceber a ausência de notícias sobre o Partido Trabalhista do Reino Unido e do seu líder Corbyn (1). Não há dia que dali, do reino de sua majestade, não venha qualquer coisa. Mais um ataque dos russos com novichok, as aflições da Srª primeira-ministra, com o Brexit e outros “exit”, sobretudo de ministros do seu governo, mais um descendente real, com direito quase que ao parto em directo, e de Corbyn, zero.

Perdão. Teve direito a uma chamada de atenção, quando se lembrou de perguntar à Srª May, onde estavam as provas do ataque russo ao espião russo que, afinal, era um espião inglês. E também, (uma história mal contada) quando uns membros do Partido se lembraram de atacar o sionismo e Corbyn passou a ser uma espécie de Hitler. Aterrada, em pânico, Teresa de Sousa logo foi esclarecer o problema entrevistando Chris Patten, velho líder conservador e ex-Comissário Europeu. Pelo meio, tivemos ainda a notícia via Lusa/Público (29ABR18): “Milhares de contas do Twitter com ligações à Rússia ajudaram Jeremy Corbyn” nas eleições de 2017. Putin é um mãos-largas.

E nem a vinda de Corbyn a um conclave dos partidos sociais-democratas e socialistas em Lisboa mereceu qualquer relevo. Soube-se que esteve cá, porque apareceu nas imagens noticiosas de algumas televisões, mas nem uma entrevistazinha. Por seu lado, o seu camarada e primeiro-ministro António Costa foi a Londres, e ainda hoje se está por saber se teve algum encontro oficial ou oficioso com o sr. Corbyn. Admirável! Muitas notícias sobre Trump em Londres. Sobre o chá com sua majestade. Sobre os lapsos de protocolo. Sobre um balão que nos ares de Londres, dava uma imagem melhorada de Trump. Sobre o discurso de Corbyn nas manifestações de contestação a tal presença, zero!.

Mas haja esperança. Agora que no dia 14 de Julho foi publicada uma sondagem (Opinium/The Guardian), que mantém os Trabalhistas com 40% nas intenções de voto, quatro pontos acima dos Conservadores com 36%, não vão tardar as notícias. Não foi notícia no dia 15, nem a 16, nem a 17,… talvez, lá para o dia de  S. Nunca…

O que será, que será, que provoca esta cegueira persistente, este esquecimento doentio, esta distorção visual e auditiva?

Será pelo facto desse Partido Trabalhista, à revelia dos partidos gémeos do continente, apresentar um programa contra o neoliberalismo, onde se defende: o resgate e reforço financeiro do “NHS”, o celebrado SNS britânico, e o mesmo para a Escola Pública, com o aumento dos salários dos professores, menos alunos por sala e o fim das propinas nas universidades; reverter o aumento da idade de reforma e um tecto para a factura energética das famílias; a necessidade de mais impostos para os ricos e as grandes empresas; a renacionalização dos correios, da ferrovia, da energia. Um programa crítico da NATO e dos mísseis nucleares Trident, pelo desarmamento e pela paz?

Será pelo facto de, em consequência dessas opções políticas, o Partido Trabalhista britânico aparecer revigorado numa Europa onde a social-democracia desfalece ou desaparece? Será porque Corbyn permanece vivo e de pé? Mistério!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

(1) Declaração de interesses (mais uma vez): não sou social-democrata, nem estou filiado no Partido Trabalhista.