Aceitar a objeção de consciência não significa que a cadeira de Cidadania e Desenvolvimento passe a ser optativa. É antes uma condição da manutenção da sua obrigatoriedade.
Sou um dos subscritores do manifesto pela liberdade de educação – certamente o menos ilustre do grupo.
Dou por muito bem empregue o tempo que gastei, antes de o assinar, a analisar os seus argumentos jurídico-constitucionais. O debate que desencadeou e que ainda continua aceso tem sido clarificador, pelo menos num ponto essencial: a cadeira de Cidadania e Desenvolvimento nada tem de pacífico, evidente, inevitável.
É certo que este meu gesto de cidadania ativa me valeu também o epíteto de “fascista bafiento” – o que francamente continua a incomodar-me. Em matéria de encaixar insultos, manifestamente não tenho a resiliência dos árbitros de futebol.
Ainda assim, valeu a pena e retorno agora ao tema.
Pessoalmente, nada tenho contra a existência da cadeira, nem sequer contra a sua natureza obrigatória. Tenho apenas dúvidas quanto à coerência do programa – que parece misturar conteúdos muito díspares e nem sempre com suficiente dignidade académica.
Sobretudo, julgo que os programas concretos dessa cadeira – que não corresponde a nenhuma disciplina científica, nem a nenhum saber teórico ou prático com tradição escolar – devem ser objeto de divulgação em cada comunidade educativa e aí discutidos abertamente por todos, especialmente com os pais.
A razão é simples: a indeterminação material da cadeira representa um risco real de violação da proibição constitucional de “programação da educação” segundo diretrizes políticas ou ideológicas – proibição que constitui uma das traves mestras da liberdade de aprender e ensinar.
Afirmar que a cidadania não pode ser uma opção, como se diz no manifesto de sentido contrário ao que subscrevi, é passar ao lado do problema. Não se pode ensinar uma pessoa a ser o que ela já é e sempre será – cidadã ou cidadão –, mas sim a ser um “bom cidadão”.
Ora, o que significa ser um “bom cidadão” é uma questão que tem sido objeto de intenso debate político e ideológico pelo menos desde que Péricles, no seu célebre discurso sobre a Guerra do Peloponeso, enalteceu as virtudes cívicas de Atenas sobre a sua rival Esparta. Ou desde que Aristóteles, na Política, se rebelou contra o seu mestre, Platão, e defendeu que o bom cidadão é aquele que, em liberdade, conduz a sua vida segundo as virtudes, e não aquele que desempenha fielmente o papel que a cidade lhe predestinou, em função das suas capacidades, reveladas através de um rígido sistema público de educação.
Ser um bom cidadão é, antes de mais, muito diferente de ser um “cidadão bem-comportado”, que cumpre solicitamente as suas obrigações e está sempre predisposto a aceitar a vontade da maioria. Inconformados, iconoclastas, subversivos e dissidentes são com frequência muito bons cidadãos.
Neste sentido, os alunos de Famalicão – e os seus pais – são sem dúvida bons cidadãos, corajosos e persistentes. Não têm grandes lições a receber em matéria de cidadania ativa a responsável. É por isso que uma sociedade democrática decente tem de respeitar a sua objeção de consciência, que é genuína e está bem fundamentada ética e juridicamente.
Aceitar a objeção de consciência, em casos como este, não significa que a cadeira de Cidadania e Desenvolvimento passe a ser optativa. Pelo contrário, é uma condição da manutenção da sua obrigatoriedade. A objeção de consciência constitui, precisamente, o direito fundamental que os cidadãos têm de subtrair-se ao cumprimento de uma obrigação que a sociedade, de forma maioritária, considera justificada.
A não ser assim, cairemos de novo no velho paradoxo de Rousseau: o de que a minoria – toldada pelo erro em que vive – deve ser constrangida a conformar-se com a vontade da maioria, no que apenas estará a ser forçada a ser livre.