O Parlamento português tomou uma decisão sensata ao rejeitar as propostas de lei sobre a despenalização da eutanásia. Por quatro razões.

O tema é suficientemente sensível e complexo para merecer mais e melhor debate. Não teve a menor expressão nas campanhas eleitorais de 2011 e 2015 e, com a excepção da última semana, não houve discussão na comunicação social.

Está longe de constituir uma prioridade legislativa. São várias as necessidades de alteração legislativa em matéria de direito penal ou de direitos fundamentais, consoante a perspectiva de análise da eutanásia, mas temos que reconhecer que  a sua despenalização não é prioritária. Os crimes que podem assimilar-se à eutanásia,  homicídio a pedido da vítima (artigo 134.º do Código Penal) e crime de incitamento ou auxílio ao suicídio (artigo 135.ºdo Código Penal) não têm sequer expressão estatística.

Talvez por isso não é uma questão emergente que desencadeie na sociedade portuguesa uma particular mobilização. Muitíssimo mais prementes e preocupantes para os portugueses são, entre muitos outros temas, as listas de espera no Serviço Nacional de Saúde ou a ausência de soluções para alterações climáticas que nos afectam e afectarão cada vez mais.

E, finalmente,  todo este arremedo de discussão, com sincero empenho de muitos, não o nego, serviu única e exclusivamente para a promoção da agenda política do Bloco de Esquerda, que se apressou a proclamar, com a arrogância que caracteriza a generalidade das suas intervenções, que mais tarde ou mais cedo a lei será aprovada.

Quem aliás deu desde cedo sinal desta estratégia bloquista foi o PCP que não hesitou em votar ao lado do CDS e da Igreja Católica. Os comunistas sabem bem o eleitorado que têm e não compram “questões fracturantes” que possam incomodar esse mesmo eleitorado. Descansado ficou também o Presidente da República, que guardou um indesejado veto para outra ocasião.

Arrumada a questão para os próximos meses podemos voltar ao que interessa. E o que verdadeiramente interessa é escrutinar atentamente quer o jogo de sombras em que governança socialista se transformou, quer a comédia de enganos em que a oposição social-democrata se enredou.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.