A propósito da mais recente laureada com o prémio Nobel ter reagido com um “sou branca e americana, não faz sentido nenhum”, tenho de confessar que teimo em não perceber esta histeria mais ou menos recente com temas relacionados com racismo, género ou (acrescento) sexualidade.

De facto, em perspectiva, no que diz respeito ao Nobel da Literatura, de 1901 para cá, 94% são brancos, 88% homens e 69% europeus. Ou seja, 12% são mulheres, 3% negros (uma mulher e dois homens) e 3% asiáticos. A nacionalidade que ganha é a francesa, com 15 laureados, e a língua que mais vence é a inglesa, com 33 dos 117 prémios.

Estes números parecem deixar evidente que a literatura Nobel tem preferência por cor, género e região, no entanto, talvez por ignorância e ingenuidade q.b., não consigo interiorizar de forma directa essa leitura. Quantos autores existem dentro das mesmas “classes”? Tentei pesquisar mas não consegui obter resposta em tempo útil.  De qualquer forma, o meu ponto é que falar em preferências sem ter os números globais e sem ter presente a facilidade que a globalização trouxe, pode ser uma falácia.

Claro que a seguir me dirão “ah e tal mas as mulheres, os negros, os africanos e os asiáticos têm menos oportunidades de serem publicados”… Sim, há a história, da qual não podemos fugir, e há a evolução (natural) a que assistimos. Ainda há caminho a percorrer? Há.

Não podemos é andar aos gritos a exigir algo que tem o seu percurso natural e que está, feliz e indubitavelmente, a ser trilhado.

Porque gritaria e agressão têm, a meu ver, o efeito exactamente contrário ao pretendido. Não é impondo ideologias que atingimos o objectivo, que é a igualdade de direitos e oportunidades entre os seres humanos. A imposição gera oposição. E eu que não sou de facto racista, sinto-me desagradada quando a Nobel da Literatura diz que atribuir o prémio a uma autora branca não faz sentido. Ela pode na realidade estar a ser crítica quanto ao critério que parece ter sido predominante durante muitos anos, mas então que o diga de forma explícita. O que não faz sentido é dizer (tout court) tal disparate. O que não faz sentido é atribuir um prémio a alguém por ser preto. O que não faz sentido é a base da escolha ser algo que não a qualidade da escrita. O critério deve ser simplesmente a meritocracia.

Escrevi uma vez um artigo cujo título era “Eu não sou feminista”. Posso também escrever outro com o título “Eu sou racista” ou outro com o título “Eu sou homofóbica”. Eu sou racista ou homofóbica? Não. E o texto deixaria isso claro. O que pretendo dizer é que a rotulagem não beneficia o objectivo, nem traduz a real intenção ou pensamento. Quando oiço ou leio a Joacine Katar Moreira sinto que ela é racista. Ataca os brancos como se não houvesse amanhã. É assim que ela pretende acabar, ou sequer contribuir para, (acabar) com o racismo? Ou, antes pelo contrário, vai gerar reacções adversas?

Se em meados de 1792 Mary Wollenstonecraft foi pioneira ao lançar um livro sobre direitos femininos, intitulado “Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher”, e influenciou de forma determinante o que viria a ser o movimento sufragista inglês do início do século XX ou a atitude de Rosa Parks em 1955, quando se recusou a dar lugar sentado no autocarro a um homem branco, fundamentais para iniciar a mudança de pensamento e atitude perante brancos e pretos, estou convencida que actualmente estamos a uma geração de atingir a igualdade que ambicionamos.

Quando observo a geração dos meus filhos em discussões sobre estes temas, o espanto deles é o mesmo de alguém da minha geração se eu disser que é a terra que gira à volta do sol. É tão óbvio, tão comummente aceite, tão evidente, que deixou de ser tema.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.