Começa a ser fastidioso ouvir certas correntes de opinião política e até algumas importantes individualidades afirmarem, repetidamente, que os números da economia vão bem mas falta chegarem ao bolso dos portugueses. Não é que sejam desprovidos de alguma razão, mas para não parecer um mero sound byte de conveniência política, há que, pelo menos, aprofundar a explicação da situação com razoabilidade.
Com efeito, a economia portuguesa nos últimos tempos tem dado sinais reforçados de algum dinamismo, expresso no crescimento em termos reais do PIB que, no final do primeiro trimestre deste ano, terá acusado níveis de desempenho no topo do ranking europeu, no âmbito de uma conjuntura europeia nada famosa.
Muito centrado no dinamismo das exportações (onde a atividade turística é proeminente), constatamos que já foi antecipada a meta do peso de mais de 50% do valor das exportações no PIB gerado, caminho este que tem sido percorrido há alguns anos com inequívoca solidez, traduzindo mérito da iniciativa empresarial privada.
Embora sem idêntico comportamento deve, contudo, ser relevado o papel do investimento empresarial, onde, para além do investimento imobiliário (muito dele de origem externa), não podemos de forma alguma desvalorizar as apostas de valor acrescentado que têm vindo a ser feitas na produção industrial propriamente dita, com relevo para a “qualificação” de setores ditos tradicionais, como os têxteis, calçado, metalomecânica, cortiça, etc., cujo contributo para o nível das exportações de bens e da criação de riqueza se tornou uma evidência.
Claro que ainda há muito caminho a percorrer, e esse caminho passa por crescer mais e melhor (muito mais, direi), e assim poder gerar níveis salariais decentes!
Mas, para mitigar a crueza do chavão “a economia cresce mas não chega ao bolsos dos portugueses”, há que referir que o atual crescimento conjuntural – sem dúvida que há que ter em conta o que sucederá em 2004 e anos seguintes – anda a par com níveis de desemprego historicamente baixos, com melhoria na balança externa de bens (onde as exportações terão crescido, no primeiro trimestre de 2023, 1,5 vezes mais que as importações), com o enorme saldo excedentário na balança de serviços à custa dos fluxos turísticos (a dependência do setor é contudo grande, cerca de 20% do PIB).
Isto sem esquecer o dinamismo no tecido empresarial, onde constatamos o aumento significativo de lucros nas empresas do PSI 20 (que, inevitavelmente, podem arrastar o resto do tecido empresarial viável), o rácio de divida pública cada vez mais controlado, o aumento relevante no valor das declarações para a Segurança Social, facto que indicia que, para além do crescimento do emprego, se registou também um aumento das remunerações salariais, apesar de tudo.
Neste particular não podemos, contudo, deixar de ter em conta o baixo nível, à partida, dos salários e pensões, sendo de referir que no salário mínimo (e agora na função pública) se verificam interessantes aumentos (quiçá insuficientes, mas o problema é estrutural). Situação esta que não tem paralelo no salário médio que, perigosamente, tende a aproximar-se do mínimo – o que não é desejável, se quisermos ter uma classe média mais robusta e capaz de potenciar um maior dinamismo económico.
Mas então porque é que o dinamismo económico não se traduz mais rapidamente na melhoria das condições de vida?
Desde logo pelas limitações em termos de uma prudente política orçamental, que condicionam o montante dos apoios financeiros às famílias e empresas já concretizados… Mas, sobretudo, pela permanência a nível ainda elevado de um fator externo global que é a inflação/taxas de juro, cujo ritmo parece dar sinais de abrandamento, mas que ainda não pode deixar de afetar o poder de compra e as expectativas futuras dos agentes económicos.
Só quando estabilizarem os preços (e de seguida as taxas de juro) e se iniciar um percurso descendente é que se sentirá um clima de maior confiança, e então a economia poderá melhor “chegar de vez ao bolso dos portugueses”.
É que, sabe-se, em termos macroeconómicos, o Produto Nacional (óptica da produção física de bens e serviços) é igual ao Rendimento Nacional (óptica da distribuição de rendimentos gerados na produção) e à Despesa Nacional (óptica da despesa efectuada).
E se algumas as componentes do PIB evidenciam comportamentos favoráveis, então, olhando para a outra face da moeda, por exemplo a distribuição de rendimentos, ela também tem de acusar melhorias, ainda que com pesos diferentes em termos dos beneficiários. Daí ser adequado ter que perseguir com afinco objectivos ambiciosos em matéria do peso dos salários na riqueza criada, convergindo pelo menos para a média da UE (48%), caminho este que dá sinais claros de poder ser percorrido, designadamente, quando ocorrer uma reversão da inflação e do consequente clima de moderação salarial.
Há, no entanto, uma realidade adicional, que tem a ver com a introdução do agente Estado numa perspectiva de avaliação do Rendimento Nacional a preços de mercado, a qual aponta que, no actual contexto de crescimento, não foram os trabalhadores e as empresas que mais beneficiaram em termos de crescimento relativo com a distribuição dos ganhos da riqueza gerada na produção, mas sim o Estado através da arrecadação de impostos indirectos associados à produção transaccionada. E esta carga fiscal, logicamente, afeta o rendimento disponível na economia.
É, contudo, inevitável que se exija mais esforço na capacidade da estrutura económica do país, com aposta no reforço das qualificações humanas e com novos investimentos ou reestruturações empresariais focados na inovação e na tecnologia de valor acrescentado, no âmbito de um redimensionamento/escala do tecido empresarial. Por outro lado, exige-se também, por parte do Estado, mais e melhor investimento público (Estado social), a par da criação de melhores condições de contexto, designadamente em matéria fiscal e da justiça, entre outros.
A aposta numa boa execução do PRR e do Portugal 2030 será pelo menos um passo… Contudo, não podemos deixar de ter em conta que a nível global – e, logo, nacional – as economias estão ainda envolvidas numa perigosa incerteza.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.